Saturday, January 26, 2008

Resete

Alguma vez algum homem desses qualquer quis mandar em seu destino. Atreveu-se a enfrentá-lo, sob os riscos das mais graves seqüelas. Começou assim, num dia qualquer como esse, num lugar tão banal que não fosse o marco de tal mudança, talvez nem se lembrasse mais. Era sua companhia uma caneta e folhas de papel mas bem que poderia ser a máquina de escrever, sua companheira de outrora, ou mesmo um computador, a detestável máquina que a modernidade lhe obrigara usar. Sentado em alguma superfície pouco regular que fizera de banco, sentiu que finalmente tinha encontrado o timing que almejava. As palavras apareciam em sua mente em ritmo e harmonia espantosos e carregavam uma sinceridade assustadora. Longe dele querer-se comparar ao grande poeta. Mas se foi Fernando Pessoa bem que poderia ser ele a escrever versos que encantassem tantos corações. E por que não? Valeria a beleza mais que a sinceridade?, pensou. Respondeu-se mentalmente que não. E sentiu-se igualado a todos os gênios dos grandes salões e aos poetas secretos do submundo. Deixou escapar um sorriso de canto de boca.
Escrevia com prazer estético nunca alcançado. Em beleza e coerência tudo se encaixava e já vislumbrava o gran finale cristalino em sua cabeça. Preparava-se como virgem para o gozo literário. Entre as linhas finais teve um treco. Pensou de repente se tudo não podia ser diferente. Tudo mesmo. Não só aquela história que escrevia por exigência da empresa, mas a vida. Era cada coisa que lhe impuseram. Se viu marionete num teatro abobalhado, infantil. E aí pensou que poderia ser senhor de si mesmo.
A primeira seqüela sofreria aquele romance, para sempre mutilado, nunca acabado. Estalou os dedos. Fez das folhas monitor; de seu corpo, computador. E se resetou. Num clique.

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