Grito Literário

Saturday, June 05, 2021

O bicho geográfico

 

Caminho pelas ruas do centro histórico de São Luís como o bicho geográfico caminha por meu dedo mindinho do pé esquerdo: por vezes com retidão, em outro momentos faço curvas, não sigo mapas nem tenho plano algum para além de sentir a cidade, como o bicho sente minha carne pelos túneis em que vai cavando no mindinho.
 
Larva migrans é o nome científico dela. Homo sapiens é a espécie pela qual respondo com um misto de orgulho e vergonha.
 
Nos encontramos provavelmente nas areias de um rio de Alter do Chão, na Amazônia paraense. Eu hospedado na casa de Valfredo e sua família, ele vindo do intestino de um cachorro ou gato, que serviu de hospedeiro até encontrar a areia e logo meu pé, provavelmente enquanto assistia ao deslumbrante pôr-do-sol no píer do CAT, ou enquanto nadava depois de um passeio de barco pela Floresta Encantada, uma mata de igapó que inunda na época das cheias.
 
Passaram alguns dias ou horas e confesso que não percebia que ele havia decidido "pegar carona" nas minhas férias, como também o fez minha amiga Bruna De Oliveira, companhia das mais agradáveis. Foi no primeiro dia de barco entre Santarém e Belém que ele começou a dizer em forma de coceira: "ei amigo, estou aqui, estamos juntos nessa viagem". Hospedou-se no meu pé que por duas noites se hospedou numa rede recém comprada no mercado e pendurada junto a muitas outras no ferry boat Amazonas III, que partira pelas águas do Rio Tapajós até a grande metrópole da Amazônia.
 
Não sei bem como ele se alimentava, mas eu buscava dar boas condições de sobrevivência ao meu corpo que o hospedava, à base da culinária local: maniçoba, tacacá, suco de taperebá, cachaça de jambú, peixe frito com açaí, arroz de cuchá e muito mais.
 
Foi no auge de sua excitação que decidi começar a nossa despedida. A ardência grande de um bicho geográfico viajante palpitava quase a impedir minha caminhada. Bruna já havia partido e eu havia feito um novo amigo de Taiwan, com quem travava diálogos difíceis em inglês fraco e com sotaques distintos. Antes de encontrar com outras areias, as dos maravilhosos Lençóis Maranhenses, tomei coragem de comprar uma pomada, mesmo sabendo que a curta vida do amigo bicho chegaria ao fim em pouco dias naturalmente.
 
Na vila de Santo Amaro, às margens dos Lençóis, mais precisamente na pousada Fé em Deus, limpo bem o dedo e volto a aplicar pomada, enquanto a água da chuva torrencial para de cair e a população local corre para pescar nas ruas ainda alagadas repletas de peixes perdidos, presas fáceis.
 
Presa fácil também é o bicho geográfico no meu mindinho ante a pomada que o anuncia na embalagem como inimigo a combater. Ao contrário de cachorros e gatos, a Larva migrans não consegue chegar até o intestino dos humanos (Homo sapiens), assim como eu também não consegui chegar até a Ilha de Marajó, pois meu tempo de viagem era insuficiente.
 
Seus canais geográficos seguem no relevo do meu mindinho mas receio ainda não estar viva a larva migrante quando desembarcamos em São Paulo e o azeite de babaçu que comprei se solidifica diante da temperatura abaixo dos 25º C.
 
Chego ao Espírito Santo depois de uma viagem que passou por outros quatro estados, incluindo também Brasília em seu Distrito Federal. Em minutos o azeite volta a ser líquido e eu começo a suar com alegria.
Viagem pra mim é cultura e natureza. O que o Ocidente tentou separar como opostos, faço um esforço pra juntar. Carimbó, cacuriá, tambor de crioula, festa e ritmos que vêm da relação com o todo, a terra, as águas, os encantados, os seres viventes, essas gigantes ou minúsculas riquezas que compõe a Pachamama, Mãe Natureza.
 
Quando encontro a cultura popular me sinto humano, demasiado humano. Quando me vejo diante do esplendor da natureza, me sinto bicho. Um bicho geográfico.

Saturday, August 15, 2020

Haikai perdido

Morreu o jardineiro
e chove. O girassol
está cabisbaixo.

Friday, July 24, 2020

Urublues

Sobre a pedra, o casal de urubus namora ao sol. Juntos alçam voo parelho e se bicam carinhosamente sobre o mar tão azul.

Não fazem mal a ninguém.

Seguem do alto com seu incrível faro, à espera de um cadáver. Respeitosamente se alimentam limpando as tripas de animais que, por algum motivo alheio a eles, já não vivem, evitando assim a propagação de doenças e bactérias.

Enquanto estiram as asas e deixam que as térmicas dos ventos os façam planar, eles não escutam as vozes debaixo. Ou não entendem as palavras de nojo que lhes diferem, pronunciadas por quem paga por matar animais para se alimentar.

Com sua humilde soberba, os faxineiros alados de negra envergadura apenas brincam no ar.

Friday, July 07, 2017

Na calçada cotidiandante, a mulher entorna sorrisos abundantes enquanto olha para o alto.

Penso num milésimo de segundo: "Será louca ou só feliz mesmo?". No segundo milésimo noto que seu olhar busca algo. Só vejo prédios. Que graça podem ter?

É que meu olhar cabisbesta só vê o chão, sem nem se dar conta da sombra que me alivia o calor e se desenha no chão. É frondosa a árvore que nos cobre o passar. Pisco os olhos e abro ou ouvidos. Os passarinhos cantaropiam com força e ritmo. Festa, briga, fome, não sei a razão. Só sei que o breve momento me faz sentir mais naturumano.

A loucalegre que sentia o vento acarisoprar seus cabelos enquanto ria, apenas buscava com olhos reagradecer o que seu sorriso já dizia aos passarinhos que passarinhavam enquanto ela passarinhandava por ali.

Tuesday, May 10, 2016

Um trapo flutua no vai e vem das ondas
Corpo não há, mas sobram ausências
Da água não sai, permanece
Eu é quem olhando me afogo no seco
Há um vazio, proclamo a mim mesmo
E está dentro de mim, reconheço-me.

Saturday, November 28, 2015

Sociedade cada vez mais intolerante:
 com política, religião, glúten e lactose.
Monocultura do pensamento e do alimento.

 Produtividade:
acadêmicos giram engrenagens
a terra gera alimentos que matam.
O excesso:
iPod, pad, phone, phode, fast food, fast fuck
informação instantânea, HDs infinitos, cabeças limitadas
A escassez:
a batata, que eram duzentas, viram duas ou três - enlatadas
falta água, papel higiênico - escândalo!
A sujeira:
cidades cobertas de lama, rio com cheiro de morte
o sangue desenhando trilhas morro abaixo
O silêncio:
cumplicidade da mídia com os sócios
o saber ancestral semeando resistência e tecendo o amanhã
O grito:
fascista, pelos privilégios de sempre, excludente
anti-racista, protagonista, feminino, potente

Planeta em convulsão
A história caminhando devagar, despreocupada
A urgência em estar vivo!
O mundo grávido:
Espero que nasça mulher.

Sunday, July 19, 2015

+ HAIKAIS

DO ENTE QUERIDO

Eu e minha crença
de que tomar remédio
dá doença...


FARMÁCIA POPULAR

Com 1 real
compra um remédio
paracêtámal


CORRIDA MALUCA 

Na cidade, lado a lado
o rio disputa com os carros
quem anda mais parado


Poema-colagem
é mais fácil escrever
com palavra alheia

Na porta do McDonald´s
Whatzapp SevenUp
 iMac BigPhone
e ninguém vê
menino preto mexer
em sua smart fome

Monday, May 25, 2015

A viagem do sol

Eram dias de nuvens gritando em chuvas. Para confirmar meu pessimismo fui checar a previsão do tempo: mais chuva por vir.

Ela arrumava malas distraidamente. Como se fosse roupa, puxou o sol que brilha incessantemente no cerrado, dobrou-o e ajustou junto à maleta, entre coisas fofas para não quebrar seus raios disformes.

O raio-x do aeroporto não acusou a existência de metais pesados e a maleta abriu-se por aqui. O sol saiu tranquilo, de boa. Algumas nuvens, gorduchas de água, se assustaram e saíram correndo, desengonçadas. Outras, orgulhosas, dixavaram e se foram de fininho, assobiando como se não fosse nada.

No instituto do tempo, houve divisão. Metade do corpo técnico passou o final de semana discutindo para entender a subversão do previsto. A outra metade estava na praia tomando sol, de canudinho.

Ela voltou com a mala carregada de poesias, escritas em papel ou registradas no olhar, máquina de es-crer-ver. Para evitar pagar excesso de bagagem deixou o sol por aqui.

Os pessimistas que olhavam o céu azul com estranhamento e sem desfrute, viram passar um avião, um teco-teco azul claro, trazendo amarrado em sua cauda a seguinte mensagem: "No futuro, o erro sempre é possível"

Sunday, April 19, 2015

Poeminho

Quando te conheci, ontem - ou há dois séculos atrás?
Quando quiser ir-me de ti, amanhã - ou nunca mais?

Monday, February 23, 2015

Cajitas

En que caja
guardo este amor:
de la nostalgia
del futuro
o del dolor?

Haicais meio ruins

Desamor de infância
Roda o peão
no sentido contrário
do meu coração


Meu coração a esmo
espera que o próximo amor
seja por mim mesmo


Não sinto cansaço
já passou mais de um milênio
e sigo em seu abraço


Bola de cristal
ajuda-me a entender
o futuro do futebol


Sussurro de vento
sedução abortada pelo
trovão violento


Lágrimas
que quase caíram
ficaram ali
passeando
por suas pálpebras
esperando o vento
que secasse
esse amor
 que já não é mais

Siento que compartí contigo
Mi alma entera.
Aunque mi cuerpo se fue,
Cada vez que te encuentro
Veo que no puedo recuperar
Este alma que me robaste
O que extrañamente
Se volvió nuestro.

Friday, December 19, 2014

Joseph

Cabelos e bigodes brancos, assim como sua pele suíça. O branco é a união de todas as cores, como era ele, pintor e viajante, ganhando a vida pelo caminho, ocupando as ruas para logo encher de cores paredes de lares, tristes ou vivos, habitados por gente que ao contrário dele entendia a viagem como uma pausa e não como uma constante.

Constante era seu afinco, desde pequeno, pintando com o pai, cozinhando com a mãe. Poderia ter sido chef, mas preferiu pintar. “A fome de comida se mata com qualquer bocadilho, a fome de beleza é mais exigente”. Viajar não foi um sonho, foi natural, como quando criança saía a caminhar entre lagos e montanhas e distraído ia, simplesmente ia, com suas pernas frágeis e seu olhar curioso.

Caminhando e pintando passavam por seus olhos e pincéis paisagens e gentes, da África, da grande paixão asiática, Américas diferentes num só traço, sua Europa.

Encantada com tanto caminho e histórias, a jovem viajante não entendia como não podia deixar de notar aquela melancolia insistente no olhar de Joseph. “Se arrepende?” “Jamais!”, respondeu quase bravo, como se tivesse sido insultado.

“Faria de novo?”, perguntou a jovem soltando a fumaça do cigarro na pequena varanda do albergue. Ele respirou, baixou a cabeça. Voltou a erguê-la rapidamente, cravando suas pupilas azuis no brilho juvenil dos olhos de sua interlocutora. Disse que estava cansado. Que seus olhos se acostumaram, que já tinha visto de tudo, nada mais o surpreendia ou excitava no caminho. “Voltaria a viajar muito mais, mas com uma companheira, um amor. Para que através do olhar dela pudesse voltar a enxergar além e recuperar o brilho e o encanto que meus olhos já não conseguem ver”.

Javier

Ali, discreto aos olhos, inevitável aos ouvidos sensíveis, num canto do famoso Parc Guell, (en)cantava Javier. No cenário dos retorcidos arcos desenhados por Gaudí, o gênio catalão, o silêncio gentilmente cedia passo a Javier. Entre ventos sonava a voz, o tom, o toque, ele e o violão, dois corpos, dois sons, plena sintonia, quase um só.

Os turistas, que enchem a praça ali perto, são escassos nesse canto em que ele escolheu estar. Passam poucos e alguns incrivelmente não se detém diante daquela magia. Javier não é para qualquer um. É preciso perder-se para encontrá-lo. É preciso estrar distraído para senti-lo. Talvez lhe importasse menos ganhar dinheiro e mais tocar corações, e para isso era preciso ser discreto para pescar os corações mais sintonizados.

Eu simplesmente não aguentei. Fomos paralizados ao ouvi-lo. Fui inundando por dentro até transbordar. Daniela me deu um abraço que dura até hoje. As duas senhoras ao lado sentiam o mesmo. Éramos quatro corações em sintonia com o ritmo que emanava do coração-voz-violão de Javier, então uma coisa só.

Seu rosto peruano, seu timbre sem fronteiras. Dali seguiria para Alemanha e logo outros países.

Azar de quem não viu. Para cada um que se emocionou como nós, centenas estiveram perto mas não sentiram.

Fodam-se os senhores do mainstream, mas aquele sudaka fez sua turnê europeia. Tocando violão. Tocando corações.

Friday, December 12, 2014

Cacete!
O amor transbordou
e pingou no tapete
escrito "Bem-vindo".

 Todo dia, antes de entrar
terei que limpar
meus pés no amor.
Que lindo!

o pedreiro
construía
ia
foi
(des)pedido
ficou
(des)iludido

se proclamou
(des)pedreiro
se tornou
(des)temido
agora está
(des)construindo
indo

Escambo:

Troco poemas de gosto duvidoso
por afetos de efeito certeiro.

Escambo II:

Trocou olhos de jabuticaba
por espelhos da alma

O Mistério da Articultura há-de-ver-te:
Gentes que semeiam amor,
Comprem mais cestos
Vem chuva de abraços
Não vai caber a colheita.

Sunday, November 09, 2014

O céu virou
de cabeça pra baixo
para que nossas lágrimas
chovessem

Saturday, October 18, 2014

Contos

O nome dele é Otávio.
 Não, mentira. Otávio é o nome que eu quis inventar pra ele.

Viajou o mundo para viver e foi parar ali em outro país, para começar a morrer.Tentava lidar com o início de sua morte, ainda que não tivesse qualquer doença que os médicos pudessem diagnosticar. A morte, pensou, não é um momento, é um processo. É simplesmente o apagar da vida, que como vela, pode findar de forma lenta e gradual ou bruscamente num vento forte.

Já tinha chegado aos 28 - não era ídolo de rock para morrer aos 27 - e provavelmente ainda lhe restem muitas décadas. Mas sentia o foguinho apagar e manter-se brasa morna.

Acontece que na semana anterior se distraiu e deixou que uma nova pessoa reparasse que há vida em seus olhos. Tanta vida que entrou por eles (de viagens, mundos, livros, filmes, pessoas, paisagens), tanta vida há de sair de seu olhar.

Mas o que fazia nessa cidade suja entre montanhas, ele que veio do aconchego, das cidades-namoradinhas, da carícia da brisa, do sussurro do mar? Fazia reinventar-se, voltar a parir-se, chorar-se, sorrir-se.

"Sorria pro mundo que ele sorrirá de volta", leu alguma vez. Da raiva da manhã poluída espremida entre ônibus lotados de ausências até o sorriso que escapa sem razão aparente na tarde, derrama e fica manchado pra sempre ou até a próxima lavagem, cerebral.

Não demorou vir o troco do sorriso vespertino nessa terra onde se fala cantando, onde se canta contando e onde se conta dançando. Cuentería, dizem. É, contar contos, das mais bonitas marcas dessa cultura. Um festival! Logo hoje, que "causualidade", curiosou Otávio. Ok, bracinhos cruzados e "challenge accepted", memezou-se.

Ouviu histórias de Cali, Buenaventura, Cuba, África. Avôs e avós, primos fracassados, tristezas, animais falantes, sábios ou invejosos, criação de mundos, memória, esquecimento, mulheres, sabedorias, e sobretudo, palavra. "Cidades não são prédios, são pessoas. Pessoas são palavras. E palavras, afinal, são sementes de mundo", refletiu em silenciosa epifania.

Na Colômbia ou em Cuba, as mães contam contos para os filhos dormirem. Naquele momento-lugar, ao contrário, os contos serviram para Otávio acordar. Chegou em casa sem sono, com fogo aceso, olhos vivos e dedos nervosos.

Queria contar algum conto, para que quem lesse ou ouvisse carregasse de vida os olhos, voltasse a acender e buscasse o que sabe que tem que buscar. "Aquilo que vem de ti mas te surpreende", lembrou.

Otávio pensou em falar de si. Mas melhor não. Escreveu. Começava assim: "O nome dele é Vitor. Não, mentira. Vitor é o nome que eu quis inventar pra ele..."

Monday, September 08, 2014

Palabra verdadera

por Huayna Chaky

 Palabra verdadera
nace del corazón
acompaña a su pueblo
que con ella se orienta
para coger el buen camino

 Palabra verdadera
perdona y no olvida
teje siempre la paz
y se asusta de tal forma
que no sabe expresar
lo que es la guerra

Palabra verdadera
no se rinde jamás
rompe silencios
que sean violentos
y calla secretos
que sean necesarios

Palabra verdadera
es tan viva como ancestral
cosecha de los abuelos
y cuida bien a su tiempo
la herencia de sus nietos

Palabra verdadera
viene del pasado
abraza al presente
y con él evoluciona
sembrando futuro.

Thursday, August 21, 2014

Haicais

Metrô
Ninguém vê ninguém
mas ninguém pode escapar
do olhar do neném

O triste espantalho
é sujo pelo agrotóxico,
limpo pelo orvalho.

Feliz do palhaço
que além de nariz vermelho
tenha peito de aço

 Foi você quem quis
aceitar um bom salário
pruma vida infeliz?

Sunday, August 03, 2014

Patrícia

Discreta, ela entra no ônibus carregando seu instrumento de trabalho. Retira o violão, caminha, se posiciona, como se fosse mais uma qualquer a cantar nos coletivos. Tímida, sua voz é trêmula e gagueja dizendo "Meu nome é Patrícia, e vou cantar para vocês uma música que se chama...". Depois do primeiro acorde, a voz já é firme, intensa e afinada, Patrícia discursa muito melhor em forma de melodias. Os olhos do público se arregalam, um homem até retira um dos fones do ouvido para ouvi-la. Ela é a melhor que já haviam escutado nos palcos itinerantes e diários do transporte coletivo bogotano.

No corpo de alguma carne e pouco movimento, a típica mochila artesanal colombiana pendurada combina com a primeira canção que entoa, folclórica. Os longos e lisos cabelos negros chamam o título da segunda música: "Café e Petróleo", homenagem à Colômbia, cuja beleza não podia estar melhor expressa do que em sua face, de semblante sereno e formas amenas. O último tom, aplausos, moedas.

As pessoas teriam vergonha, mas deu vontade de acompanhá-la ao vagão do lado, do outro lado do remendo do ônibus articulado. Mas de longe se podia escutar e visualizar, no dia em que mais um cessar-fogo foi rompido no Oriente Médio, quando Patrícia deixa discretamente que seus olhos se fechem e canta forte para fora, talvez ao mesmo tempo em que ore silenciosamente para dentro. "Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente, é um monstro grande e pisa forte a toda pobre inocência dessa gente". Segue até o último tom, aplausos, moedas.

Próxima estação. Abrem-se as portas. Olhos e ouvidos a esquecem e Patrícia sai, caminha, tão discreta como entrou.

De onde veio? Pra onde vai? Cantando "Café e Petróleo", sua voz já havia respondido: "Não importa onde se nasce nem onde se morre e sim onde se luta". E Patrícia segue lutando.

Enquanto houver ônibus. Enquanto cantar for permitido

Friday, August 01, 2014

Poderá o homem da ilha
viver sem o mar?
viver sem amar?
Amar sem o mar?

Monday, December 23, 2013

Amar é um risco.
E a paixão é um rabisco.

Não desanima não, Vitor.
Não desanima porque vocês sempre foram minoria.
Porque os que lhe antecederam conquistaram um monte de pouquinhos que somados são um montão. Lute em memória desses que já foram. Dos que perderam mas nunca se calaram nem acovardaram.
Dê o seu melhor junto com os que aí estão, agora e urgente.
Defenda os que ainda não chegaram, para que lhes espere um lugar amável. Continue caminhando e perguntando, rumo à utopia inalcançável.
Porque a História, como diz Galeano, é uma senhora que caminha a passos lentos. Dá as mãos pra ela e anda devagarinho, com paciência até onde conseguir, porque ela ainda vai continuar caminhando muito depois que seu corpo se canse.
Mas não desanime. Seus sonhos não cabem em sua linha do tempo mas esta velha senhora pode levá-los adiante, assim como lhe entregou sonhos alheios aos quais você dá vida como se fossem novos.
Acredite nesta energia inexplicável que às vezes você gente. Sinta. Acredite.
Vai Vitor, ser gauche na vida.

Sunday, December 22, 2013

Amor que foi

Hoje derramo lágrimas
Por esse amor que foi
Não pela tristeza de haver acabado
Mas pela alegria de haver existido
Não com o angustiante medo
de nunca mais me apaixonar assim
Mas com agradável certeza
de que na próxima vez amarei ainda mais

Qualquer coisa de ti

Te sinto como um rio correndo ao revés
nascendo no mar e subindo as montanhas
para desaguar na cratera de um vulcão

Como uma caneta que ao escrever apaga
os versos escritos num passado de dor
para deixar as linhas brancas de um não-amor

O vazio está cheio de amargura - e transborda
Eu estou farto de ti - e ainda te quero mais
O fim do mundo se aproxima de mim
a cada passo que dou a caminho de ti

Thursday, November 28, 2013

Exílio

Minhas lágrimas escorrem de Norte a Sul
percorrendo as cinturas deste continente,
sonhando chegar onde nunca deixei de estar
O gelo nunca derrete em meu peito,
o vento não seca lágrimas exiladas
nem o sangue estanca em veias abertas.

Quem foi que me condenou
a ser eu fora de mim?

Amazonas

O rio segue seu fluxo
 sem se importar em ser Brasil
 Botos desfilam seu rosado
sem passaporte ou nacionalidade

O barco desliza pela avenida aquática
 entre verdes escandalosos
e olhos escondidos entre árvores

Passam países, entram pessoas
barcos vão e vêm, e eu sigo
navegando no mesmo lugar

Entre remos e motores a vida passa
em ruídos molhados
enquanto crianças correm
 por planícies alagadas

Deus se sente pequeno,
e o poeta se esvai.

As palavras não são grandeza, são palavras
Poemas não são heroísmo, são fraqueza
A paisagem e seu saber secreto
são uma profunda oração

Eu não sou quase nada,
mas sou parte de tudo.

Bullyng

A poesia sofre bullying
Ela tem o brilho do olhar de menino
E a suavidade do cabelo de menina
Mas não tem a folhinha de abacate

Sua boneca está rota,
o peão soltou uma lasca
e roda bêbado e irregular

A pipa perdeu no cerol,
desce girando entre fios
A casinha ruiu
num sopro de lobo mau

Ela senta entre joelhos
e chora doidamente

Conta até dez e sai
mas nunca encontra ninguém
Quando encontra, não alcança
e quando alcança sempre perde
no final: um, dos, três, salve todos!

A poesia sofre bullying
mas sabe que não seria tão bela
se fosse plenamente feliz

Wednesday, October 16, 2013

Te acercas un día
para alejarte un siglo
Me robas la noche
para ganarte la mañana
Me soplas besos
para impulsar tus alas

Y que piezas quedan
deste rompecabezas de mí?
Tu colorido cuerpo
en un mosaico gris
Una boca roja
en un negro país

Nuestro universo podrido
en una cáscara de nuez

Yo inventandóme una galáxia
 donde quepan pedazos de ayer
y fragmentos de mañana
Subvertiendo el tiempo
Reiventando el viento
ante el vacuo que dejaste
en mi corazón desterrado

Sunday, June 02, 2013

Mais haicais

O papel da poesia deve ser
 dobrado em origami
em forma de passarinho

Saiba que a borracha
quando apaga escreve mais
do que você acha

Desastre natural:
o lápis do menino entortou
a linha do horizonte

Capixaba?
Espírito Santo
sou cidadão do mundo
mas nem tanto

Monday, May 20, 2013

Desaprenda
curiosolhar
ex-pudor
criançe-se

Sunday, January 27, 2013

Adolescente

Me diz em imagem o espelho
Que levo em meus olhos vermelho
Nesses casos o que um homem faz?
Reflito com grande vergonha
Será que digo aos meus pais
A verdade que estive chorando
Ou a mentira que fumo maconha?

Tuesday, December 11, 2012

INTIfada, mágicos encontros palestinandinos

Tenho a pedra na mão
e a fúria nos olhos.
Olho ao redor
e não encontro alvos

Tenho meu amor
e meu silencio
Escuto seu clamor,
ouço ecos de minha voz:
não não não não não!


Quantos silêncios pagarão?

Do outro lado do globo

V
V

B
O
M
B
A
S

C
A
E
M

V
V

Bombas caem, bombas caem
Bombas caem.
Vidas sobem
Aos céus
E eu? E eu? E eu?

De repente
o estremecer minha mão
Sinto a pedra deslizar
suavemente
De volta à terra

Meu olhar imagina seus olhos
de mirada penetrante
e doçura infantil
Abraço qualquer coisa
imaginando ser seu corpo

Desculpe não poder mudar o mundo
Para quê esse mundo?
De covardes covardias
De violentas insanidades
De ódio vulgares
De egoísmos silenciosos
Para quê?

Só posso prometer
resistir bravamente
Para quê?
Para que esse mundo
Jamais me mude.

Sei que já é tarde
e estamos tão longe
Que faz sol lá fora
e chove dentro de mim

Mas de repente
me escorreu
uma gota de alma
com gosto de terra

A Terra me disse
que estamos tão perto
e ainda é cedo

É um segredo....
Não conte pra ninguém:
Em algum lugar do cosmos
Estamos junt@s! Estamos junt@s!
Estamos junt@s

Alô alô Planeta Terra

Aqui estou eu
Transmitindo a dor
Pelas doces ondas do tédio

E lá vou eu
Perseguindo o odor
Das flores do prédio

Versos de sujeira
Escutados no além-ser
Este monstro desconhecido
- e todos os monstros o são
em sua fatídica inexistência-
faz cosquinhas nos pés

Pratos feitos de garfos
Escondendo rastros de fome
Alô alô Planeta Terra
Alguém para acariciar meus medos
Em cambio de uma moeda?

Ai ai ai orvalho que não vem
Chuva que sobe
Rebeldia que não tarda
Em ser eu

A privada é pública
Governos e cagadas homéricas
Bêbados e seus porres foucaultianos
Bar, bares, idades
Estou ficando velho
De frases, caduco
De gases. Petróleos jorrando
Dos pênis desse capitalismo
Utópico.
O trópico, esse sim tão real
Quanto o meu pau.
Calor dos inferno
Que é o mesmo que céu
Dos nossos corpos suados e nus.

Porque todas as coisas
Tem que fazer sentido?
Porque os militares que fazem
Não fazem. Sentido!
Porque as pessoas o que você
Não tem sentido?

Monday, July 09, 2012

Tardor

São quase meia-noite e minha bicicleta desliza no asfalto molhado. As folhas secas pulam das árvores tentando me abraçar. Ao encontrar suas companheiras perto do chão, sobem, descem e giram nessa deliciosa valsa que é o outono. A noite sorri pra mim. O que posso fazer além de retribuir? Esqueço o frio. E sorrio.

As águas da chuva escorrem por um fio. Eu desaguo num amar. Sou rio.

Mesa de bar(celona)

I

Tem a cor do carvão e sinto que está em chamas por dentro. Parece estar atuando, o discurso sempre incendiado (ou incendiário?). Perguntei se era ator e ele disse que era "ator da vida". Usa óculos que são algo que sempre fazem alguém parecer mais inteligente. Ainda assim, parecia meio óbvio, ou ingênuo. Porém, não me importava tanto o que dizia mas como dizia. Tinha uma paixão de carne crua, língua de ponta cortante, coração de açougue, palavras de corpos desfeitos, estraçalhados...

Senti que temos linguagens diferentes, talvez distintas cosmovisões. Acho que não pensamos igual, nem vemos o mundo da mesma maneira. Mas percebi que temos uma coisa parecida de fogo, ou melhor, de brasa, que quer incendiar e que pede pra ser incendiada. Na verdade, ele parece meio doido, por seu pensamento abstrato. Me fez lembrar, guardadas as proporções, aquele morador de rua paulistano que uma noite na Rua Augusta me disse que o Japão na verdade era Júpiter mas que havia uma conspiração para que não soubéssemos. Eu sempre me sinto muito ignorante e fracassado quando não consigo alcançar um pensamento, ainda que todas pessoas "normais" digam que tal pensamento não tem sentido ou que é loucura. A normalidade é sempre uma incompletude.

Ele, o da cor de carvão e chamas por dentro, tinha alguma história de que se envolveu com o sindicalismo e teve que fugir de seu país porque senão o matavam. Mas não parece alguém que pudesse caber num sindicato.

Tem a cor do café, boca de creme e os olhos de açúcar mascavo. Fala com sabor e seu dizer é tão quente que como que nos queima a língua e não nos permite perceber o quão doce deveriam ser suas palavras.

Parece alguém que não se vende. Mas é apenas alguém que vende. Tem uma loja e vende café. E vender café é como compartilhar sua pátria, a tão humana Colômbia. E ajudar a construir a tão colombiana humanidade.

II

É boliviano, da parte de onde não vem ninguém. Pando é o Acre da Bolívia, insópido, longínquo, selvagem, desabitado. Na verdade o Pando e o Acre são quase a mesma coisa, já o foram de fato, até que fizemos uma guerra, ou revolução, não sei bem, ganhamos, pacificamos, fizemos acordos pagamos algo e ficamos com aquilo que acreditamos ser um "pedaço de nada". Que os de lá devem chamar de pedaço de tudo.

Tem um rostro de gente simples, talvez coubesse num quadro de Tarsila entre aqueles operários, quase negros, quase índios, quase brancos, nem jovens nem velhos. Mas ele não é operário, ao contrário, é o pintor.

Isso de pintar as pontes, rios, casas, naturezas, vivas e mortas, coisas bonitas e agora que tá na Europa e tal. Não não, tem as cores da sua terra. Caucho é como chamam a extração da borracha lá do outro lado da fronteira. Na verdade, não sei bem, borracha mesmo se chama goma em espanhol, talvez caucho signifique seringueira, ou seja borracha mesmo. Então, é isso que ele pinta. Ele pinta o que o capitalismo vê da selva de uma maneira que o capitalismo não vê na selva, um colorido além do monocromático verde do dinheiro e da florestas que os miopes olhos de fora enxergam.

O mais legal de tudo é que ele diz que conheceu Chico Mendes nessa história de pintar as cores de seringueiros e seringuais. Nesse dia ele deve ter apertado a mão do Chico e com isso deve ter ficado até hoje guardado, grudado ou pregado no corpo e coração dele um poquinho desse sentipensamento de ser também um herói da Amazônia, em qualquer lugar que esteja.

III

Equatoriano, de Guayas. Ali na costa do Equador, capital Guayaquil. Elegância, terno cinza que não combina com a cara de indígena. Pareceu o menos interessante dos três.

Os três tem uma associação, não sei porque nem pra quê. Todo mundo tem uma associação hoje em dia. Ao menos na Europa é assim. Parecia mais que tudo um fã e seguidor do vendedor de café colombiano. Repito que não parecia um cara interessante. Mas talvez sua maior sabedoria se guardasse em seu silêncio.

IV
Ele é aposentado. Trabalhou toda vida abaixo d'água. Ninguém totalmente normal pensa em ser mergulhador, eu acho. Nem em ser piloto de avião. Normal é querer trabalhar num escritório. Mergulhar é voar pra baixo, então dá no mesmo. É algum sonho estranho que nasce dentro e fora da gente ao mesmo tempo. Tá, não é a mesma coisa ser mergulhador do Discovery Channel que limpador de submarinos, é mais técnico que artístico. Mais ninguém sobe um Everest ao contrário mergulhando só pra ganhar dinheiro, eu acho. Não consigo deixar de imaginar um submarino cheio de nazistas dentro tomando cerveja e um cara lá do lado de fora com roupa de mergulho esfregando com uma pequena bucha o fundo do robusto veículo. Nem deve ser assim. Mas se foi, é coisa do passado.

Ficou velho, e seu rosto adquiriu rugas quase impressionistas. Sua voz carcomida é quase ininteligível. Já não pode ir tão fundo, nem no mar nem na cama. Então, depois de velho, quem diria, decidiu (ou teve que) submergir. Subiu a superfície definitivamente, não sei se já se esqueceu do fundo do mar ou sente saudades ou se ainda às vezes vai lá encontrar-se com ele.

Depois de velho teve que subir do fundo do mar e decidiu se dedicar à vida de cima. Depois de velho decidiu ser jovem, talvez pela primeira vez ou talvez como sempre foi por toda vida. Quer ajudar índios que não conhece, que vivem em terras que não conhece cercados de mares onde nunca esteve. Se bem que ainda que os dois continentes não se toquem, os mares e rios estão todos conectados. E talvez cada mergulho seja uma conexão secreta, molhada e silenciosa com todo o planeta que chamamos Terra mas que deveríamos dizer-lhe Água.

V
Catalã, de Mataró, uma cidade que me dá a impressão de ser "a capital secreta do mundo" na versão daqui. Suas histórias são tão incríveis que às vezes parece mentirosa, ou contadora de contos, que é uma maneira mais honesta, solidária e divertida de mentir. Mas desconfio que é tudo verdade porque parece que com os anos ela vem abrindo radicalmente os poros da alma. E pode enxergar ventos que às vezes não conseguimos nem sentir.

Pôr uma gota de alma em cada minuto, palavra e atitude é algo que dói ao contrário, é um riso que machuca mas vale a pena. "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena". Ela viajou por viajar, sem buscar nada exatamente. Mas encontrou um tesouro. Encontrou a si mesma na amazônia equatoriana. Agora luta para ser ela mesma, nesse organizado caos da próspera e desumana vida das grandes cidades, que não impede o transbordo do oceano de alma índia que vai se descobrindo. E agora em Barcelona estuda kichwa. Parece solidariamente uma forma de compreender melhor a cultura dos outros. Mas, no fundo, é um saudável egoísmo: busca conhecer melhor a si mesma. Busca sua essência que havia sido ocultada, por décadas de sua vida e por cinco séculos de colonialismo.

VI
Ele é brasileiro e gosta de reparar gentes. Escreve. Como o poeta do minha-pátria-é-minha-língua escrever é sua melhor maneira de estar sozinho.

VII
Tudo isso numa única mesa de bar.

Barcelona,
alguma sexta-feira de maio de 2011
O metrô fecha às duas.
Fecha a conta que é hora de voltar pra solidão do lar.

Pessoas que alimentam pombos

"Yo no te pido que me firmes
 

diez papeles grises para amar
 

sólo te pido que tu quieras
 

las palomas que suelo mirar."
 (Pablo Milanés)

O sol se encolhe preguiçoso e deixa sua cor espirrar distraidamente na superfície do Rio Douro. A tarde nunca cai na cidade do Porto, apenas desliza suavemente entre ruas estreitas e odores de vinho. Num prelúdio de noite dominical, a ladeira parece menos íngreme que quando desci e saltito entre as vazias ruas de paralepípedo como se fosse a superfície lunar. Dialogo com o comércio charmosamente decadente, que mesmo fechado me acompanha até encontrar a Igreja lá encima. Solitários, os belos azulejos externos são quem me miram, carentes e sedentos por distraídos olhos turistas.

Ao lado, numa esquina meio suja, onde o lixo no chão se complementa com os feios cartazes de um colorido deteriorado pelo sol, uma velhinha feia alimenta aos pombos feios. Não sabia que elas realmente existiam, a última vez que as vi foi num filme. Mas ao contrário de Macaulay Culkin, não tive medo da velhinha feia. Passando a alguns metros daquela aprazível conjunção de feiúras, ensaiei um sorriso que mesmo mudo ecoava nas ruas completamente vazias. Ela não me viu. Seguiu sorrindo para seus pombos, que saltavam e bicavam desesperadamente os grãos de qualquer coisa.

.......

Passaram meses e outro domingo se vai. A Avinguda Meridiana corta silenciosamente o pacato bairro residencial do Clot, em Barcelona. Os poucos carros passam zumbindo diferente, talvez em catalão. Entre as duas pistas, no meio delas, um grande espaço para pedestres. O céu que amanhecera azulão para alegrar a gente já não faz tanta questão de brilhar, se deixa esbranquicar e vai se apagando em tons de laranja. Seguindo as linhas do asfalto e da visão se confundem viadutos de um velho futurismo com uma abortada e inglória praça semi-abandonada que leva o magnífico nome de Plaça de les Glories Catalans.

E mais um domingo que se deita tranquilamente no bairro, longe do zumzumzum ininterrupto do centro da cosmopolita capital catalã. Pode ser que eles só apareçam nos fins de domingo. Ou que saiam todos os dias, a mesma hora, ou na hora em que podem. Mas eu os vejo apenas aos domingos antes que o sol saia. Talvez porque há menos gente e carros passando ou porque estou mais atentamente distraído para notá-los quando levo essa alegre tristeza melancólica dos fins de domingo. Eles vem em todas formas, não são só velhinhas. Esse era um mano, talvez espanhol moreno andaluz, talvez latino. Casaco verde, talvez adidas, talvez falsificado. Boné também verde, combinando, daqueles meio aba reta, talvez do Yankees, talvez made in china, talvez os dois.

Eu andava em bicicleta buscando céus bonitos e paisagens que já conhecia, sentindo ventos, beijando o discreto frio de outono. Ele, talvez mais novo, talvez da minha idade, fazia algo mais útil: com seu saquinho alimentava pombos, com milho ou sei-la-o-quê.

Tive vontade de parar e perguntar-lhe: porque você alimenta pombos? Todos meus amigos de minha idade odeiam pombos e alimentariam eles apenas com pedradas. Pensei que ele poderia responder com uma grande filosofia e dar-me uma lição de vida, ou apenas dizer algo muito pouco poético, como "porque gosto de pombos e não tenho o que fazer".

Mas não. Segui pedalando o domingo e ele alimentando pombos.

Pensei que os pombos são os únicos habitantes de nossas cidades que não abandonam as ruas aos domingos. E pra felicidade deles, quando as pessoas e seus restos de comida abandonam as ruas, ali estão os alimentadores de pombos com seus saquinhos de solidariedade.

Me livro

Deus me livre!

Virar linhas em papel?

Escrever um livro

pro corpo morrer,

a alma subir ao céu,

e eu continuar vivo?

Friday, July 06, 2012

Ciclos


Um homem tentará ser
constante lua cheia
e sol desbordante
de eterno verão.
Estará fadado a fracassar
Se autoflagelará
na infrutífera busca
da força constante
e da vida imortal

A mulher em sua sábia
fragilidade guerreira
entende seus ciclos:
sabe minguar em seu outono,
ser nova em seu inverno,
crescer em sua primavera,
ser cheia em seu verão.

O homem ainda não entendeu
que seu projeto de infalibilidade
era natimorto.
Algum dia Adão sucumbirá
à sua própria costela.

Deus nasceu mulher
Pariu o mundo em seis dias
Descansou no sétimo
E menstruou no vigésimo oitavo.

Não te amo


Tu sabes que
o que eu amo
na verdade
é o modo insano
com que amas
a liberdade

Saturday, February 25, 2012

Água nica

Em minha veia circulava água
enquanto corria sangue por teu rio
Te encontrei tarde, Nicarágua
quando estendi ao completo vazio
minha limpa e esquerda mão
até encontrar em teu peito frio
meu próprio coração

Não sei bem explicar
porque ainda me dói
aquela palavra de Cortázar
a melodia dos Mejía Godoy
Nicarágua, Nicaraguita
tan violentamente dulce
tão imprudentemente bonita

Pero ahora que ya sos libre
não há quem me prive
de sentir correr meu sangue
e ver teu rio de água pura
encontrar a fertilidade do mangue
e desaguar neste pacífico oceano
onde posso nadar em tua cultura
que me estrecha la mano

Te senti doer muito tarde
hoje te saboreio como fresca fruta
te sinto como uma chama que arde
no calor de minha própria luta

Dolor en lucha

El arte de transformar el dolor en lucha.
La lucha en dignidad.
La dignidad en esperanza, y la esperanza en consuelo.
Y, finalmente, del consuelo reinventar la alegria
Momentaneamente perdida
por la siempre injustificable violencia.

Tuesday, February 07, 2012

Palomitas de color
cuanto va durar
el acaso del reverso
de este amor?

Thursday, January 05, 2012

De Sangre y Chicha

*por Huayna Chasky

Escribimos nuestra historia
en tinta color sangre
y sabor chicha
con este lápiz roto
que corta cuerpos
mientras dibuja sueños
y mapas de futuro
donde las fronteras
son embriagados abrazos
en un infinito circular

Thursday, December 22, 2011

Haicais às estações

I
Chuva de verão
ao molhar todo meu corpo
secou o coração

II
Prima Vera chegou
Com seus lábios de fruta
Cabelos de flor

III
Inverno tem soprado
De seus lábios frios
Beijos molhados

IV
Choveu horrores
Outono alagou as ruas
De folhas e flores

Monday, November 14, 2011

Tierra abortada

*por Huayna Chasky

Pobres semillas,
inocentes hijas de la Madre Tierra.

Pobres semillas encarceladas en laboratorios
hasta ser convertidas en veneno
torturadas por los doctores
hasta perder la fertilidad.

Pobres semillas sin alma,
ex futuras madres,
ex semilllas, ex sí mismas.

Pobres semillas,
inocentes hijas de la Madre Tierra,
esterilizadas por el hombre,
esclavizadas por el capital.

Pobres semillas inocentes
violentadas por el hombre
culpables por el hambre

Me gusta cuando hablas (o Neruda al contrario)

Me gusta cuando hablas porque te siento presente
Y te oigo desde lejos y tu voz me envuelve
Parece que tus ojos indios son solo una pequeña parte
Que componen la armonía de tu naturaleza
Y que tu boca que moja la mía
Es una fuente inagotable de tu generosa dulzura
Y un pozo de tu ternura infinita

Me gusta cuando hablas y estás como cercana
Mismo diciéndome desde lejos, por teléfono
Que me llamas solo porque quería oír mi voz
Mientras yo era quien me moría por escuchar la tuya

Me gusta cuando hablas porque estás como viva
Con todo tu dolor y esperanza de guerrera
Entre tanto odio y violencia
Una sonrisa tuya, media palabra basta
Y estoy feliz, feliz por haberte conocido.

Thursday, November 10, 2011

Canoeiro

Duas canoas que se cruzam num olhar
Você mirava o balanço da minha vida em remo
Eu olhava seu desencontrado olhar
Minha vida passa assim
Nesse vai-e-vem de águas e olhares
Eu pensei se talvez pudesse dizer qualquer coisa
Mas a natureza já lhe susurrava todas minha idéias

Essa pele pra mim quase branca
Pra outros quase morena
E esse sorriso incompleto
De meia boca e alma inteira
Que você deixou escapar
Caiu no rio e perdeu-se nas águas
Sigo procurando enquanto navego
Nas outras canoas que me cruzam todo dia

Me lembro que depois do quase sorriso
Nos olhamos pela última vez
Até o rio seguir seu fluxo
Nossas canoas seus caminhos
E a natureza nos engolir
Para fazer-nos para sempre
Uma parte distantemente unida
De todo seu esplendor

Eu gosto de olhar pessoas
e imaginar universos
dentro de cada um

Mas quando miro a noite
só consigo ver você
refletida em cada estrela

doralegria

um colombiano
tem uma gaveta
quase secreta
semi-fechada
de dor

tem um suave tom de negro
triste e pulsante
em meio a uma aquarela
de sorrisos coloridos

é um mosaico
um retalho
com um desenho triste
em cores vibrantes
tecido com um fio
quase invisível quase irrompível
de inabalável esperança

o colombiano
sangra por dentro
mas por fora
chora com alegria
dançar é sua maneira
de sacar lágrimas
em forma de suor

essa dor de terremoto
que levou gente querida
tem o epicentro
dentro de seus corações
colombianamente carinhosos
e vai gerando sismos silenciosos
não com tanta intensidade
mas que fazem tremer
outros corações
distantes e despreparados
para suportar
tremores de vida

um segundo depois
do coração escutar a dor
e um minuto antes
do corpo se entregar ao baile
o colombiano de dor e alegria
te oferece sua sínteseem um abraço

o Abraço de um colombiano
é diferente
é forte e sincero
mas vem com lágrimas
e dói.
dói por dentro
e conforta por fora
dói o ontem
e sopra o amanhã
que começa agora

Saturday, October 29, 2011

Payasurbano

Triste calle
de la ciudad gris
déjame pintar
de rojo
tu nariz

Vejo em seu olhar
um mar infinito
mas o que será
que você vê
através destes olhos
de oceano?

Gotas de alma

Chove tanto lá fora
os corpos se inundam
e eu me resumo
a uma gota de lágrima
que não escorre
dentro de mim

Onde tu não estás

Encontrei-te em algum beco escuro
Te reencontro sempre onde nunca estiveste
Em sonhos, hortas e balcões de bar
Porque eres a beleza mesma
Que me ensinaram a admirar

Te não vejo em todo lugar em que estás
Não te sinto mas toco tua beleza distante
Te vejo atrás de um vidro intransponível
Não sei até quando poderei suportar
Minha falta de mundo e tua beleza excessiva

Vagabundo, vagamundo vagasurdo-cego-mudo
Nada passa, corre tudo, o tempo voa rastejando
E é sempre tu quem encontro onde vou
Onde tu nunca estiveste nem estarás:
Sonhos, hortas e balcões de bar

Saturday, July 02, 2011

De fuego y vento

Estoy explosivamente sensible
cualquier chispa
me hace fuego
Y el humo que me sale
se expande por el cielo
a molestar los que siguen
fríos o congelados.

Estoy tan a flor de piel
que cualquier soplo
me hace volar
Y en el viento me lleva
a fertilizar la vida
con el polen de la flor
de mi piel, de mi alma
de mi fuego, de mi calma.

Receita para falar de amor

Abra os poros de sua alma
e deixe o amor penetrar lentamente.
Procure um lugar
onde os bosques sejam mais verdes
e os sorrisos mais largos.
Aí é só esperar que ele entra por osmose.

Depois cutuque as nuvens
até que gritem em água
tome banho de chuva
inunde-se até a última gota
e deixe transbordar-se

Monday, April 25, 2011

Despedidas

Há despedidas insípidas, são as piores.
Mas não há despedida totalmente triste.
Toda despedida triste, no fundo,
também é muito feliz.
A tristeza de hoje
é a alegria de ontem
Mas e amanhã?
Amanhã não existe.
Amanhã foi hoje, ontem.
A manhã existe. E persiste.
Viver


Estrada

Quando a estrada
se confunde com a vida
a morte já não dói nada
perto de uma despedida


Metrô

Cadê você?
Aqui do meu lado
Sozinho, calado
Me olha e não me vê
Cadê você,
Cadê você?


Limitando

Cada um sabe
a miséria que cabe
no universo de nós dois


Dormindo com o capitalismo

Foi bom pra você?

Calenques

Mientras murmulla la brisa
ya no entiendo nada
que no sea tu sonrisa
(tímida del monte)
que no sea to mirada
(marina, al horizonte)



Andes

Quiero beber otra vez
de tu sabiduría
de sangre y chicha
que me hace sentir
tan ignorante
del mundo
tan fuerte
como la tierra
tan ebrio
de sueños

Sorria, você tá sendo espiado

Quando a noite cai
as estrelas não me esmagam
preferem ficar lá coladas no céu
pra fazer companhia pra lua
ou então pra ficar espiando
a vida que a gente vive aqui embaixo

Dizem que elas tem olhos de luz
e podem enxergar além da fumaça
que dá ao homem conforto e privacidade
Então mesmo quando não as vemos
porque sujamos o céu
ou porque esquecemos de olhar pra cima
elas continuam nos espiando igual

Também que elas tem a boca dentro dos olhos
e cada vez que nos miram estão ao mesmo tempo
nos enviando um enorme sorriso de luz
que entra diretamente no coração
de quem mira pra elas com olhares e sorrisos

Quem olha muito pra elas o coração cresce
aí no dia que morre a pessoa
o coração sobe pro céu e vira luz grande
Luz que nos fica espiando o tempo todo
pra ver se consegue entrar em mais corações
E que aqui de baixo chamamos de estrela

É estranho porque quando a noite cai
a estrelas ficam presas lá em cima espiando
a vida que a gente vive aqui embaixo

ê vida

A vida é dura
mas ela dá a todos
a oportunidade de nascer
uma vez
sem saber disso

Pra que quando
descobrirmos
haja sempre uma criança
que por não saber de nada
não sabe nem que a vida é dura

As crianças estarão
sempre
por todos os lados
correndo pulando
com olhos curiosos
risos sem pudor

Pra nos roubarem
um olhar e um sorriso
e nos ensinarem
que sorrindo
a vida é mole
é fácil
é boa
é leve
é jogo
é dança
é rima
é linda
é vida!

ê vida...

Saturday, April 23, 2011

Izquierdo

Essa vida de gauche,
às vezes,
dói. Dói doidamente.
Mas a gente mente
a dor que sente.
E nos acostumamos
a mentir
em sorrisos
a dor de todos
nós

.........................

Calle Capitalismo


Tô sentado
na beira
pedindo carona
pra quem vem
na contramão

..........................

Executativo

Pensei que podia
ser informal
de terno
me tornei um formal
eterno
deixei de ser normal
e terno

Tuesday, April 19, 2011

A manhã de amanhã

Já é tão tarde que é quase cedo.
Tarde demais pra dizer adeus,
muito cedo pra desejar boas-vindas.

Cheguei cedo pra ver seu sol nascer
mas você chegou bem depois
que meu sol se pôs
Já é noite.
Amanhãsereu.

----------------------------------------
Amanheceu
e amanheci com
o amanhecer
Amanhã
amanhecerei
a manhã sereia
amanhã serei
amanheceria
a manhã seria
amanhã ser eu

Sunday, March 27, 2011

Cientista jovem louco (num mundo onde os normais constroem bombas atômicas)

Inventei uma lente
que faz ver diferente
é tão transparente
que faz enxergar o evidente:
o salário indecente
o poder que mente
o povo descrente

Mas de tão transparente
a lente reflete a gente
faz ver o sorriso inocente
o olhar eloquente
o abraço latente
e o amor resistente
...
Sou cientista charlatão
mas não contem pra ninguém não
que é tão transparente a lente que inventei
quanto a lã do vestido do rei
mas não foi usada na roupa do nobre
minha lente tava nos olhos do menino pobre
que gritou que o rei tava peladão

Na verdade não inventei nada
abusei do efeito placebo
vendi para um velho e um mancebo
minha lente propagandeada
Eles viram muitos problemas
mas também viram solução
receberam telefonemas
e foram à televisão

Acho que logo virão me acusar
de falsário e delinquente
Mas sei que fui decente
nunca quis a ninguém enganar
e nem com isso dinheiro ganhar
Apenas agi solidariamente
porque ao vender a falsa lente
estava doando um novo olhar

Frio sul

Venta o vento
Chove a chuva
Mas seu Bento
Colhe a uva
............................................................................................................
A tar puesia...

Me dice o hómi que a tar puesia
tem di sê bem costruída
cum pilares grosso que sao as idéia
e cum cemento forte que sao as palavra
e cum cabamento lindo que sao as imagen

Acho bunito os prédio, ajudei a subi muintos
Mas vortei pra casa e pro campo e pra casa no campo
Porque pra eu modestamente as montanha e o mato
é mais bonito que as poesia e quadro todo que eu vi
porque elas só imita o que vê di bonito no mundo

Aí se eu pudesse di sê pueta
eu num queria de construir puesia ingual que prédio
porque me dá muinto trabalio e doía as costa
Queria de que fosse a minha puesia mais faciu
como é as paisaje da minha terra
que já veio fazida assim por deus

La inteligencia desde abajo

No es que yo no entienda lo que dices
Ya lo escuche atentamente muchas veces
y desde varias voces y plumas.
Me parece coherente y inteligente.

Pero es que pisando donde pisé
Aunque la inteligencia me permita comprenderlo
Mi sensibilidad no me deja aceptarlo

No es que yo sea tonto, soy sensible
Y me parece que el verdadero tonto
no es el que no comprende algo,
sino el que entiende sin sentir
Pues este sí no ha entendido nada

......................................................................

Hombres sin super

Es que nos gobiernan los superhombres,
nacidos en Krypton pero creados aquí.
Tienen mucho poder en sus palabras
y saben mucho de casi todas las cosas.

Ellos buscan crear otros superhombres,
que puedan ser tan sabios y poderosos
para seguir gobernando y mandando.

Solo que los superhombres son tan super
que no son como la gente.
Saben todo de casi todo.
Solo no saben lo que sabe la gente.

Dicen que tenemos que aprender con ellos.
Creo que ellos que debían desaprender con nosotros.
Porque sería bonito si fuéramos iguales
y pudiéramos obedecer uno al otro
sin nadie tener que mandar.


Saturday, January 15, 2011

Labios

Fue buscando la dirección de tus besos
que encontré las curvas de tus labios
pero me perdí en el laberinto de tu lengua
Ahora camino por callejones sin salida
donde cada paso resuena el sabor
de tu boca callada en la mía


Haiku

Tus labios tan sabios
que me dicen tus deseos
en forma de besos

Saturday, January 08, 2011

Timor sem temor

Não escuto, Timor
minha língua em ti abafada
Mas pude sentir tua dor
quando o inimigo te açoitava
Hoje não vejo rancor
manifesto em sua mirada
E entendo todo esse amor
que vejo em tua face libertada


Haicai lusófono a um parente distante

Eu beijo Timor
com lábios brasileiros
Tua língua calada

Céu dos bichos



Deve haver um outro lugar
onde vocês irão se encontrar
e terão toda liberdade e carinho
que muitas vezes eu não pude dar

E nesse lugar deve haver um caminho
em que quando eu também me vá
nos encontraremos um pouquinho
pra trocar carinhos e brincar

Mas acho que no mesmo céu não iremos estar
Porque se Deus for justo como dizem ser
reservará um céu muito melhor para vocês
onde esteja reunida toda paz e beleza
e os animais sejam os verdadeiros reis
porque em vida confiaram no ser humano
e nunca se acharam melhores que a natureza

Chegando aí agradeçam a Deus
pelas maravilhas que ele fez...
Brinquem com retalho
durmam no orvalho
façam tudo que eu não deixei
E vão procurando um atalho
pra quando eu chegar de uma vez
me encontrar rapidinho com vocês

Friday, January 07, 2011

Españolizando...

Mundo

Yo no creo en fronteras
que separan en países
la humanidad que es una

Pero no quiero romperlas
sin sentirlas o entenderlas
Yo voy a transcenderlas
sin guerras, con poemas

No quiero un país para mi
quiero todas las patrias
pues solo siendo todas
no tendré ninguna


Caminemos juntos

Compañero, en algún momento del camino te perdiste.
Porque ahora que todo sabes, nada sientes.
¿En qué cruce te habrás perdido?
¿Te acuerdas?

Nunca llegarás a ningún lugar
si no te acuerdes porqué empezaste a caminar.
Tu sensibilidad quedó por el camino.
Pero no la encontrarás donde la perdiste
y sí donde por la primera vez la encontraste.
¿Te acuerdas?

Vuelve, vuelve todo.
Al pequeño pueblo,
donde el niño, entre risa y lágrima,
te pedía un abrazo y un trozo de pan.
¿Te acuerdas?

ECOS DE UNA COLOMBIA

Al pié de la casa me siento
Tomo mi asiento
aprovecho el momento
escucho tu acento
tu cruda poesía la siento

Al entreabrir de tus labios
oigo consejos sabios
cuando estás a contar la vida
pero pareces cantar la vida

Cuando me siento
Cuanto te siento
Tu acento


MIRADAS COLOMBIANAS

Mi pasión por ti, Colombia,
empezó por las sonrisas de tus gentes
Me cautivaron las lagrimas luchadoras
de tus rostros auténticos
Pero lo que me enamoró
definitivamente
fueron los ojos
grandes, profundos y seductores
de tus mujeres.

Pero esta autenticidad
negaste conocer al mundo
Al presentar en los concursos
tus musas artificiales
Y que niegas, sin darte cuenta, a ti misma
Al construirte como una patria
en que hablan armas
de hombres
Mientras callan las miradas
femeninas

Colombia, deje hablar los ojos de tus mujeres
Aunque todo el mundo te mire mal
Serás siempre grande, profunda y seductora
Colombia, ¡eres los ojos de tus mujeres!

Sunday, December 19, 2010

Sentido

Sinto muito
por não sentir muito.
Não fiques sentido.
Tudo que tens sentido
não tenho sentido.
Tudo que tenho sentido
não tem sentido.

Esquerda

A gente se defende.
Aqui ninguém se rende,
ninguém se vende.
Mas ninguém se entende.

Saturday, December 18, 2010

Terrorismo poético

Na Terra
ninguém vai ver
sua guerra

Em Marte
ninguém vai ver
sua arte

Saturday, December 04, 2010

Atriz amadora

No teatro ela inventava mil amores.

No amor, inventava mil teatros.

Tuesday, September 14, 2010

Haicais em série

Produção em série
Faço haicai de qualquer cor
Desde que seja preto


Certezas incertas
Fazem saltarmos janelas
Com portas abertas


Riso de criança
Esse espelho do futuro
Sopro de lembrança


Bóia um corpo torto
é o homem, porém, quem vive
e o Mar que está Morto


Aqui, tudo em cima
No meio de saco cheio
Embaixo vem rima


Eureka! Eureka!
Não coube grana no bolso
Leva na cueca


Queria poder
Ter o poder para poder
Querer-te, phoder


Isso de colocar
sílabas dentro de linhas
é que vai me matar

Friday, September 10, 2010

Século Vintedois

Era jantar de aniversário do diretor de métrica, homem dos mais rigorosos da firma. O assunto da mesa não poderia ser outro, o escândalo da semana: as câmeras de vigilância haviam flagrado o estagiário que manejava a máquina de mixagem de versos lendo no banheiro uma espécie de ipad arcaico, feito de papel. Nele havia poemas de um tal Edgar Allan Poe, supostamente poeta independente: haveria escrito sozinho os versos!

Dada a complexidade dos poemas o chefe de repartição logo concluiu que seria impossível aquilo ser feito por apenas um homem e fora da escala industrial. Talvez houvesse sido produzido por uma empresa da pré-modernidade, já que lá pelo início do século 21 ainda adotavam esse tipo de produção. Estranho era o fato de aquilo ter sido preservado depois de tanto tempo. O jovem, gaguejando, não soube explicar-se. Começou a suar frio. Após ler algumas linhas o chefe lhe devolveu o objeto: “pode ficar com isso, meu jovem, não tem a menor qualidade”.

O estagiário respirou aliviado enquanto guardava seu arcaico ipad. Eis que deixou cair um papel bem amarelado que apresentava finas linhas azuis paralelas e simétricas. Os olhos do chefe se arregalaram, tinha certeza estar frente-a-frente com um subversivo: estava escrito, em tinta, palavras organizadas em forma poesia. Chamou imediatamente a segurança. Diante da gravidade, o caso foi levado à alta cúpula da Poems Inc. O presidente da empresa não só demitiu imediatamente o aprendiz como encaminhou o sujeito à polícia. O caso era sério, descobriu-se que apesar da inocente aparência o jovem pertencia a uma organização criminosa que produzia poemas individuais assinados com nomes falsos e os distribuía clandestinamente. O marginal está sendo mantido incomunicável e responde a processos por formação de quadrilha, exercício ilegal de profissão, concorrência desleal e falsidade ideológica.

Todos ficaram realmente chocados com o fato de que ali dentro da firma poderiam conviver com um desses terroristas literários que tanto falam a imprensa e a polícia. Ora, imaginem se todo mundo (leia-se: qualquer um!) resolve escrever poesia por sua própria conta e distribuir por aí! Obviamente, aconteceria uma banalização absurda e uma queda de qualidade dos poemas. Gente sem formação profissional nem senso de responsabilidade prestando esse serviço tão vital para o bem-estar social. Logo surgiriam hordas escritores sem técnica atentando contra os bons-costumes, rompendo métricas, quebrando rimas e repetindo essa ladainha de que poesia é arte. E como viveriam eles que estudaram com tanto afinco se as empresas de poemas começassem a falir simplesmente porque agora qualquer um poderia escrever poesia se bem entendesse?!

O diretor de rimas tentou mostrar indignação:

- Deus me livro, digo, Deus me livre...

Não conseguiu esconder o pavor por cometer tal deslize. Poderia ser acusado de subversão. Mas felizmente nenhum dos presentes sabia o que significava a palavra “livro”. A terrível falha, que quase o entregou, passou apenas como um erro gramatical. Menos mal.

O chefe do departamento de temáticas amorosas, um gordo sentado ao seu lado, cochichou em tom profético: "Já não se faz poesia como futuramente".

Friday, September 03, 2010

Haicais selecionados*

Tá chovendo horrores
O outono alagando as ruas
De folhas e flores

Quando a noite sai
Eu vejo estrelas que sobem
Poeta que haicai

A vida em resumo
Vai do meu primeiro amor
Ao dia em que sumo

Nessas poucas linhas
Universos, multiversos
Histórias minhas

Teu sorriso eu verso
Tão disperso, tão impreciso
Teu verso, eu só riso


*Publicados no livro Das Palavras, da editora Guemanisse

Tuesday, August 31, 2010

Serenata

A chuva encerra
seu secreto balé sensual,
cantarola no telhado,
desliza pelo rosto,
deixa o gosto do passado
e no cheiro da terra
descansa imortal

Sunday, May 30, 2010

O guarda-sol se põe
E chovem guarda-chuvas
As uvas colhem gente
A gente come terra
A guerra cria vidas
A bomba se evapora
Agora o tempo passa
A massa se apavora
A massa esquenta ao fogo
E o fogo acaricia
O dia que lamenta
E inventa uma razão
Pro vão inevitável
Que a estável noite impõe
Pois quando chovem guarda-chuvas
O guarda-sol se põe.

Monday, May 03, 2010

A escola pra mim foi uma prisão
e a prisão foi uma escola
saí da escola que me reprimia
para a rua que me libertava

Por ser tão livre
voltei às grades da opressão
Mas o homem que me prendia
que me agredia na escuridão

Não sabia que cada golpe
Me inchava a cara e o coração
Se lá não morri, me fortaleci

Aprendi a guardar ódios
e transformá-los em sonhos
de libertar também ao que me oprimia
Fui tomado por uma vontade
de pagar cada soco e insulto
com afagos e poemas

Passei a escutar o que diz o silêncio
a acostumar-me ao escuro
e valorizar cada raio de luz
a usar a mente para viajar a todo lugar
que meus pés não podiam alcançar

A liberdade não existe
senão como utopia
para alcançar sua plenitude
tive que perdê-la

De modo que, no dia em que
a Justiça me absolveu
a vida me condenou
à liberdade perpétua

Monday, April 26, 2010

Quase

Ela quase transava
Ele quase fodia

Ela quase fiel
Ele quase traía

Ela quase falava
Ele quase ouvia

Ela quase sincera
Ele quase mentia

Ela quase chorava
Ele quase sorria


Ela quase acordada
Ele quase dormia

Ela quase explicava
Ele quase entendia

Ela quase confessava
Ele quase assumia

Ela quase pensava
Ele quase sentia

Ela quase viva
Ele quase morria


Ela quase amava
Ele quase sofria

Monday, April 12, 2010

Deus
Disse não
Ao cristão

O cristão
Disse adeus
Pra Deus

Sunday, March 28, 2010

Haicais em homenagem

I
Mágico das vírgulas,
é só teu texto, fantástico,
Que me sara, mago,

II
Malandro samu-
rai: jeitinho brasileiro
cabe no haicai

III
Um verso profundo
é a parte que me cabe
deste latifúndio

IV
O mundo é um moinho
De Cartola ou Dom Quixote
Do sonho, mesquinho

Saturday, February 27, 2010

Não é brincadeira:
passaria a vida inteira
com vinho de primeira
uma casa na beira
um barco de madeira
e um balanço de cadeira

Tuesday, January 05, 2010

AsSALssino

O Mar Morto
por excesso de sal
o homem morrendo
de hipertensão arterial

Friday, December 04, 2009

ê
foi
um feito
subir tão alto
pra respirar esse ar
r...a...r...e...f...e...i...t...o

Monday, November 30, 2009

Eu queria quando eu era...

I- Jovem
Poupar livros,
gastar utopias,
ganhar dinheiro.

II- Adulto
Poupar dinheiro,
gastar livros,
ganhar utopias.

III- Idoso
Poupar utopias,
gastar dinheiro,
ganhar livros.

Medo

Saí pra tomar um ar
esqueci o medo em casa
desbravei o mar
cheguei a Togo
pisei em brasa
brinquei com fogo
voltei pra casa...

Achei que ainda era cedo
para reencontrar o medo
mas ele já tava tão velho
que tentei uma fuga
esbarrei no espelho
e vi na cara muita ruga
e no coração um corte
com sangue vermelho
correndo forte

Pensei ter sorte
que de todos medos
só temia a morte
que me corria entre os dedos

Monday, November 16, 2009

Drive True

Dirija seu destino
Escolha sua verdade
Eleja seu número
Peça pra viagem
Mate a sua fome
Recicle sua embalagem

Tuesday, November 03, 2009

Terraço

da sociedade.
dos tédios
no abstrato
mas desabou
dos prédios ,
no concreto
que cresceu
Esta cidade

Calçada


.......................................

Ironia
Todas as palavras
cabem no universo
e o universo cabe
em uma só palavra

................................

A poesia
está todo dia
no livro
na rua
na vida

analfabetos
atropelados
morrem

ninguém quer
ler
ver
viver

Wednesday, October 21, 2009

Ermitão

Aqui do alto eu rio da sociedade
de um lado eu vejo o rio
doutro miro a cidade
de um lado sopra vento frio
doutro venta a saudade

rio-me dos carros parados em fila
dos bois sendo tocados pelo peão
do vai-vém vagaroso da vila
do corre-corre da estação

vejo o abrir da porteira e do sinal
a buzina do carros e dos leiteiros
e assistir os diferentes dias inteiros
faz ver que viver no fundo é igual

daqui de cima eu rio de filosófos e profetas
e lá em baixo eu miro em segredo os poetas
de um lado vejo Caeiro tocando o rebanho
doutro Andrade olhando a paulicéia
pela fresta espio Marília tomando banho
e assisto ao atropelamento de Macabéa

daqui de cima contemplo
as gentes que fazem colheita
a gente que vai para o templo
o fanatismo da seita
o barulho cidade que se deita
o puro despertar do campo
a correria corriqueira do trampo

Do alto eu brinco de Deus
de longe digo adeus
aos capiaus que querrem ir pra cidade
aos urbanos que sonham morar na roça
mas não têm coragem de largar
a vida da sociedade
ou a boléia da carroça

E vivo sozinho a observar
entre um lado ou outro
prefiro estar noutro
Aqui em cima é meu lugar

Hai cais 2.0

Já caem as folhas
Todo outono pede um vinho
Então saque as rolhas

...............................................

Só mesmo um otário
para buscar uma rima
no dicionário

Dark Angel

Escrever um poema
no papel higiênico
de madrugada
no banheiro
só pra não esquecer
o que queria dizer
pra ela amanhã
e nem acender a luz
pra não acordar
o seu amor
que dorme
angelical

Um, dois

Um dia, duas pessoas
Uma chuva, dois guarda-chuvas
Um caminho, duas direções
Um gesto, dois movimentos
Um pra lá, outro pra cá
Dois passam onde
Um só cabia

Uma troca de olhares, dois sorrisos
Um acontecimento simples, duas estrofes
Um poema.

Thursday, August 27, 2009

Chapare

Depois de tanto tempo ver todo esse espetáculo de novo fez minha alma flutuar. Sentir outra vez aquela melodia silenciosa enquanto o carro deslizava sob o asfalto entre as montanhas verdes enfrentando a neblina que oculta seus mistérios. Sentir outra vez meu espírito tocar o céu me fez reviver aquele tempo de intensidade que havia virado apenas uma memória.

Chegando ao povoado vi que aquela velha casa de um amarelo suave já não estava ali. Ao canto do que se tornou um restaurante, tocava charango um velho. Levava o chapéu e toda a vestimenta tradicional dos indígenas locais, mas se notava a mestiçagem do seu rosto e o sotaque do quéchua que saía de sua garganta débil a acompanhar os acordes trêmulos de seu charango.

Fui perguntar o que havia passado com Dona Francisca, antiga moradora da casa amarela. Na verdade o que me movia não era o interesse pela simpática senhora que me vendia as garrafas de chicha que alegravam nossos fins de semana. Estava fascinado com a imagem daquele índio postiço que ao mesmo tempo parecia carregar tamanha sinceridade. Minha ânsia de rever aqueles velhos amigos se esvaiu por um momento de obsessão nessa figura taciturna. Foi difícil arrancar-lhe as palavras, mas me disse que não era dali, que vinha de outro país, não importava qual, mas que havia escolhido viver assim: simples, devoto da natureza e das tradições que não lhe ensinaram o berço e sim a vida.

Sua voz carcomida pelo tempo se fazia de difícil compreensão devido à grande quantidade de folha de coca que levava em sua bochecha para vencer o cansaço do dia de trabalho no campo. Sua cara enrugada escondia qualquer expressão de emoção. Dizia que quando tinha mais ou menos minha idade um senhor quase centenário lhe contara uma história sobre o encontro de dois gigantes da natureza. Conta que durante sua caminhada, lá do alto do seu esplendor, as montanhas andinas contemplavam como um condor o avanço dum tapete verde e intenso. Do outro lado a Amazônia se estendia correndo suave como um rio e assustou-se ao olhar para cima e ver que as montanhas estufam seu peito imponente. Ali no centro, comprimidos entre gigantes, a gente temia o conflito que poderia ser o fim para eles, tanto física como espiritualmente, já que o duelo entre gigantes traria o desequilíbrio que a natureza não poderia suportar.

E que cada dia viam avançar com mais intensidade um em direção ao outro, não podiam notar raiva ou qualquer sentimento de nenhuma das partes, só sabiam que havia uma força maior que dirigia tudo aquilo e que teriam que respeitá-la. Pediram ajuda dos deuses para que tudo acabasse bem e pudessem outra vez ter seu lar. Fugiram dali esperando o choque e se refugiaram à margem do rio.

Pensaram que em todo esse tempo de cultura e tradição em harmonia com a Pachamama já pudessem entender o que queria a terra mãe. Mas a surpresa foi grande quando viram chegarem-se tão perto os dois e que não houvesse nem um sinal de temor ou de inveja, puderam contemplar num camarote o cordial abraço de gigantes que durou um breve instante enquanto os dois terminariam por descansar suas forças em tranqüilidade, como um pós-orgasmo natural que os deixaria para sempre paralisados juntos nesse leito esplendoroso. Ali encontrariam a paz dos apaixonados, à sombra das árvores, ao conforto das montanhas.

Enquanto se abraçavam o verde grudava à pele da montanha e a floresta era levada às alturas pela inclinação de seu companheiro no mais sincero amor da natureza. Terminaria o centenário senhor dizendo que “o que o poder da natureza criou, o homem nomeou Chapare.”

Ainda jovem refletiu sobre as palavras desse senhor centenário e pensou porque ele mereceria menos crédito que uma televisão. Pensou nas tantas lendas e histórias que escutara esses tempos e percebeu que a verdade nada mais era que uma questão de crença. E que aquele lugar teria mais energia mais vitalidade que qualquer lugar onde o homem poderia construir seus prédios e chaminés que ocultariam o brilho das estrelas.

Não pude entender porque o senhor se levantaria de maneira tão bruta, antes de terminar de dizer sobre como havia sido sua chegada e adaptação ao lugar. Deu-me as costas e seguiu dedilhando seu charango uma canção tradicional. Antes que ele se perdesse entre uma estranha neblina que nunca havia estado ali antes, pude perceber a ponta da tatuagem que levava no pescoço, ninguém além de mim poderia ter aquele desenho do puma com seu olhar penetrante. Vi que mancava ligeiramente da perna esquerda e me lembrei das seqüelas do meu acidente automobilístico no ano passado. Acordei na minha cama suando e assustado. Me causou uma certa confusão perceber que aquele velho na verdade era eu.