Monday, July 09, 2012

Pessoas que alimentam pombos

"Yo no te pido que me firmes
 

diez papeles grises para amar
 

sólo te pido que tu quieras
 

las palomas que suelo mirar."
 (Pablo Milanés)

O sol se encolhe preguiçoso e deixa sua cor espirrar distraidamente na superfície do Rio Douro. A tarde nunca cai na cidade do Porto, apenas desliza suavemente entre ruas estreitas e odores de vinho. Num prelúdio de noite dominical, a ladeira parece menos íngreme que quando desci e saltito entre as vazias ruas de paralepípedo como se fosse a superfície lunar. Dialogo com o comércio charmosamente decadente, que mesmo fechado me acompanha até encontrar a Igreja lá encima. Solitários, os belos azulejos externos são quem me miram, carentes e sedentos por distraídos olhos turistas.

Ao lado, numa esquina meio suja, onde o lixo no chão se complementa com os feios cartazes de um colorido deteriorado pelo sol, uma velhinha feia alimenta aos pombos feios. Não sabia que elas realmente existiam, a última vez que as vi foi num filme. Mas ao contrário de Macaulay Culkin, não tive medo da velhinha feia. Passando a alguns metros daquela aprazível conjunção de feiúras, ensaiei um sorriso que mesmo mudo ecoava nas ruas completamente vazias. Ela não me viu. Seguiu sorrindo para seus pombos, que saltavam e bicavam desesperadamente os grãos de qualquer coisa.

.......

Passaram meses e outro domingo se vai. A Avinguda Meridiana corta silenciosamente o pacato bairro residencial do Clot, em Barcelona. Os poucos carros passam zumbindo diferente, talvez em catalão. Entre as duas pistas, no meio delas, um grande espaço para pedestres. O céu que amanhecera azulão para alegrar a gente já não faz tanta questão de brilhar, se deixa esbranquicar e vai se apagando em tons de laranja. Seguindo as linhas do asfalto e da visão se confundem viadutos de um velho futurismo com uma abortada e inglória praça semi-abandonada que leva o magnífico nome de Plaça de les Glories Catalans.

E mais um domingo que se deita tranquilamente no bairro, longe do zumzumzum ininterrupto do centro da cosmopolita capital catalã. Pode ser que eles só apareçam nos fins de domingo. Ou que saiam todos os dias, a mesma hora, ou na hora em que podem. Mas eu os vejo apenas aos domingos antes que o sol saia. Talvez porque há menos gente e carros passando ou porque estou mais atentamente distraído para notá-los quando levo essa alegre tristeza melancólica dos fins de domingo. Eles vem em todas formas, não são só velhinhas. Esse era um mano, talvez espanhol moreno andaluz, talvez latino. Casaco verde, talvez adidas, talvez falsificado. Boné também verde, combinando, daqueles meio aba reta, talvez do Yankees, talvez made in china, talvez os dois.

Eu andava em bicicleta buscando céus bonitos e paisagens que já conhecia, sentindo ventos, beijando o discreto frio de outono. Ele, talvez mais novo, talvez da minha idade, fazia algo mais útil: com seu saquinho alimentava pombos, com milho ou sei-la-o-quê.

Tive vontade de parar e perguntar-lhe: porque você alimenta pombos? Todos meus amigos de minha idade odeiam pombos e alimentariam eles apenas com pedradas. Pensei que ele poderia responder com uma grande filosofia e dar-me uma lição de vida, ou apenas dizer algo muito pouco poético, como "porque gosto de pombos e não tenho o que fazer".

Mas não. Segui pedalando o domingo e ele alimentando pombos.

Pensei que os pombos são os únicos habitantes de nossas cidades que não abandonam as ruas aos domingos. E pra felicidade deles, quando as pessoas e seus restos de comida abandonam as ruas, ali estão os alimentadores de pombos com seus saquinhos de solidariedade.

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