Sunday, August 03, 2014

Patrícia

Discreta, ela entra no ônibus carregando seu instrumento de trabalho. Retira o violão, caminha, se posiciona, como se fosse mais uma qualquer a cantar nos coletivos. Tímida, sua voz é trêmula e gagueja dizendo "Meu nome é Patrícia, e vou cantar para vocês uma música que se chama...". Depois do primeiro acorde, a voz já é firme, intensa e afinada, Patrícia discursa muito melhor em forma de melodias. Os olhos do público se arregalam, um homem até retira um dos fones do ouvido para ouvi-la. Ela é a melhor que já haviam escutado nos palcos itinerantes e diários do transporte coletivo bogotano.

No corpo de alguma carne e pouco movimento, a típica mochila artesanal colombiana pendurada combina com a primeira canção que entoa, folclórica. Os longos e lisos cabelos negros chamam o título da segunda música: "Café e Petróleo", homenagem à Colômbia, cuja beleza não podia estar melhor expressa do que em sua face, de semblante sereno e formas amenas. O último tom, aplausos, moedas.

As pessoas teriam vergonha, mas deu vontade de acompanhá-la ao vagão do lado, do outro lado do remendo do ônibus articulado. Mas de longe se podia escutar e visualizar, no dia em que mais um cessar-fogo foi rompido no Oriente Médio, quando Patrícia deixa discretamente que seus olhos se fechem e canta forte para fora, talvez ao mesmo tempo em que ore silenciosamente para dentro. "Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente, é um monstro grande e pisa forte a toda pobre inocência dessa gente". Segue até o último tom, aplausos, moedas.

Próxima estação. Abrem-se as portas. Olhos e ouvidos a esquecem e Patrícia sai, caminha, tão discreta como entrou.

De onde veio? Pra onde vai? Cantando "Café e Petróleo", sua voz já havia respondido: "Não importa onde se nasce nem onde se morre e sim onde se luta". E Patrícia segue lutando.

Enquanto houver ônibus. Enquanto cantar for permitido

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