Saturday, October 18, 2014

Contos

O nome dele é Otávio.
 Não, mentira. Otávio é o nome que eu quis inventar pra ele.

Viajou o mundo para viver e foi parar ali em outro país, para começar a morrer.Tentava lidar com o início de sua morte, ainda que não tivesse qualquer doença que os médicos pudessem diagnosticar. A morte, pensou, não é um momento, é um processo. É simplesmente o apagar da vida, que como vela, pode findar de forma lenta e gradual ou bruscamente num vento forte.

Já tinha chegado aos 28 - não era ídolo de rock para morrer aos 27 - e provavelmente ainda lhe restem muitas décadas. Mas sentia o foguinho apagar e manter-se brasa morna.

Acontece que na semana anterior se distraiu e deixou que uma nova pessoa reparasse que há vida em seus olhos. Tanta vida que entrou por eles (de viagens, mundos, livros, filmes, pessoas, paisagens), tanta vida há de sair de seu olhar.

Mas o que fazia nessa cidade suja entre montanhas, ele que veio do aconchego, das cidades-namoradinhas, da carícia da brisa, do sussurro do mar? Fazia reinventar-se, voltar a parir-se, chorar-se, sorrir-se.

"Sorria pro mundo que ele sorrirá de volta", leu alguma vez. Da raiva da manhã poluída espremida entre ônibus lotados de ausências até o sorriso que escapa sem razão aparente na tarde, derrama e fica manchado pra sempre ou até a próxima lavagem, cerebral.

Não demorou vir o troco do sorriso vespertino nessa terra onde se fala cantando, onde se canta contando e onde se conta dançando. Cuentería, dizem. É, contar contos, das mais bonitas marcas dessa cultura. Um festival! Logo hoje, que "causualidade", curiosou Otávio. Ok, bracinhos cruzados e "challenge accepted", memezou-se.

Ouviu histórias de Cali, Buenaventura, Cuba, África. Avôs e avós, primos fracassados, tristezas, animais falantes, sábios ou invejosos, criação de mundos, memória, esquecimento, mulheres, sabedorias, e sobretudo, palavra. "Cidades não são prédios, são pessoas. Pessoas são palavras. E palavras, afinal, são sementes de mundo", refletiu em silenciosa epifania.

Na Colômbia ou em Cuba, as mães contam contos para os filhos dormirem. Naquele momento-lugar, ao contrário, os contos serviram para Otávio acordar. Chegou em casa sem sono, com fogo aceso, olhos vivos e dedos nervosos.

Queria contar algum conto, para que quem lesse ou ouvisse carregasse de vida os olhos, voltasse a acender e buscasse o que sabe que tem que buscar. "Aquilo que vem de ti mas te surpreende", lembrou.

Otávio pensou em falar de si. Mas melhor não. Escreveu. Começava assim: "O nome dele é Vitor. Não, mentira. Vitor é o nome que eu quis inventar pra ele..."

0 Comments:

Post a Comment

<< Home