Grito Literário

Friday, November 10, 2006

Anjos atrevidos

Ah, quanto atrevimento
desses meninos pretos e pobres
de botar-me o dedo na cara
e fitar-me com raiva
olho no olho
de cobrar-me algo por eles
pedir-me um minuto de atenção
sair das calçadas
e subir no palco
obrigar-me a enxergá-los
espancar-me com a música
metralhar-me com sua arte

Mas que ousadia desses moleques
tirar-me lágrimas
dessa face robusta
roubar-me um sorriso
amarelo e emocionado
de quem acaba de tomar um lição de vida
quem são eles pra me tratar assim?
À mão desarmada
apontada pra minha consciência

Tamanha audácia
esse corpos amontoados
como mortos
ao choro de mãe
e o silêncio doloroso
interrompido pela vibração dos aplausos
palmas por sentir
sentir-se derrotado por eles
pretos, pobres, pequenos, frágeis
mostrando-se gigantes
muito maiores que nós