Grito Literário

Tuesday, September 14, 2010

Haicais em série

Produção em série
Faço haicai de qualquer cor
Desde que seja preto


Certezas incertas
Fazem saltarmos janelas
Com portas abertas


Riso de criança
Esse espelho do futuro
Sopro de lembrança


Bóia um corpo torto
é o homem, porém, quem vive
e o Mar que está Morto


Aqui, tudo em cima
No meio de saco cheio
Embaixo vem rima


Eureka! Eureka!
Não coube grana no bolso
Leva na cueca


Queria poder
Ter o poder para poder
Querer-te, phoder


Isso de colocar
sílabas dentro de linhas
é que vai me matar

Friday, September 10, 2010

Século Vintedois

Era jantar de aniversário do diretor de métrica, homem dos mais rigorosos da firma. O assunto da mesa não poderia ser outro, o escândalo da semana: as câmeras de vigilância haviam flagrado o estagiário que manejava a máquina de mixagem de versos lendo no banheiro uma espécie de ipad arcaico, feito de papel. Nele havia poemas de um tal Edgar Allan Poe, supostamente poeta independente: haveria escrito sozinho os versos!

Dada a complexidade dos poemas o chefe de repartição logo concluiu que seria impossível aquilo ser feito por apenas um homem e fora da escala industrial. Talvez houvesse sido produzido por uma empresa da pré-modernidade, já que lá pelo início do século 21 ainda adotavam esse tipo de produção. Estranho era o fato de aquilo ter sido preservado depois de tanto tempo. O jovem, gaguejando, não soube explicar-se. Começou a suar frio. Após ler algumas linhas o chefe lhe devolveu o objeto: “pode ficar com isso, meu jovem, não tem a menor qualidade”.

O estagiário respirou aliviado enquanto guardava seu arcaico ipad. Eis que deixou cair um papel bem amarelado que apresentava finas linhas azuis paralelas e simétricas. Os olhos do chefe se arregalaram, tinha certeza estar frente-a-frente com um subversivo: estava escrito, em tinta, palavras organizadas em forma poesia. Chamou imediatamente a segurança. Diante da gravidade, o caso foi levado à alta cúpula da Poems Inc. O presidente da empresa não só demitiu imediatamente o aprendiz como encaminhou o sujeito à polícia. O caso era sério, descobriu-se que apesar da inocente aparência o jovem pertencia a uma organização criminosa que produzia poemas individuais assinados com nomes falsos e os distribuía clandestinamente. O marginal está sendo mantido incomunicável e responde a processos por formação de quadrilha, exercício ilegal de profissão, concorrência desleal e falsidade ideológica.

Todos ficaram realmente chocados com o fato de que ali dentro da firma poderiam conviver com um desses terroristas literários que tanto falam a imprensa e a polícia. Ora, imaginem se todo mundo (leia-se: qualquer um!) resolve escrever poesia por sua própria conta e distribuir por aí! Obviamente, aconteceria uma banalização absurda e uma queda de qualidade dos poemas. Gente sem formação profissional nem senso de responsabilidade prestando esse serviço tão vital para o bem-estar social. Logo surgiriam hordas escritores sem técnica atentando contra os bons-costumes, rompendo métricas, quebrando rimas e repetindo essa ladainha de que poesia é arte. E como viveriam eles que estudaram com tanto afinco se as empresas de poemas começassem a falir simplesmente porque agora qualquer um poderia escrever poesia se bem entendesse?!

O diretor de rimas tentou mostrar indignação:

- Deus me livro, digo, Deus me livre...

Não conseguiu esconder o pavor por cometer tal deslize. Poderia ser acusado de subversão. Mas felizmente nenhum dos presentes sabia o que significava a palavra “livro”. A terrível falha, que quase o entregou, passou apenas como um erro gramatical. Menos mal.

O chefe do departamento de temáticas amorosas, um gordo sentado ao seu lado, cochichou em tom profético: "Já não se faz poesia como futuramente".

Friday, September 03, 2010

Haicais selecionados*

Tá chovendo horrores
O outono alagando as ruas
De folhas e flores

Quando a noite sai
Eu vejo estrelas que sobem
Poeta que haicai

A vida em resumo
Vai do meu primeiro amor
Ao dia em que sumo

Nessas poucas linhas
Universos, multiversos
Histórias minhas

Teu sorriso eu verso
Tão disperso, tão impreciso
Teu verso, eu só riso


*Publicados no livro Das Palavras, da editora Guemanisse