Grito Literário

Thursday, August 21, 2014

Haicais

Metrô
Ninguém vê ninguém
mas ninguém pode escapar
do olhar do neném

O triste espantalho
é sujo pelo agrotóxico,
limpo pelo orvalho.

Feliz do palhaço
que além de nariz vermelho
tenha peito de aço

 Foi você quem quis
aceitar um bom salário
pruma vida infeliz?

Sunday, August 03, 2014

Patrícia

Discreta, ela entra no ônibus carregando seu instrumento de trabalho. Retira o violão, caminha, se posiciona, como se fosse mais uma qualquer a cantar nos coletivos. Tímida, sua voz é trêmula e gagueja dizendo "Meu nome é Patrícia, e vou cantar para vocês uma música que se chama...". Depois do primeiro acorde, a voz já é firme, intensa e afinada, Patrícia discursa muito melhor em forma de melodias. Os olhos do público se arregalam, um homem até retira um dos fones do ouvido para ouvi-la. Ela é a melhor que já haviam escutado nos palcos itinerantes e diários do transporte coletivo bogotano.

No corpo de alguma carne e pouco movimento, a típica mochila artesanal colombiana pendurada combina com a primeira canção que entoa, folclórica. Os longos e lisos cabelos negros chamam o título da segunda música: "Café e Petróleo", homenagem à Colômbia, cuja beleza não podia estar melhor expressa do que em sua face, de semblante sereno e formas amenas. O último tom, aplausos, moedas.

As pessoas teriam vergonha, mas deu vontade de acompanhá-la ao vagão do lado, do outro lado do remendo do ônibus articulado. Mas de longe se podia escutar e visualizar, no dia em que mais um cessar-fogo foi rompido no Oriente Médio, quando Patrícia deixa discretamente que seus olhos se fechem e canta forte para fora, talvez ao mesmo tempo em que ore silenciosamente para dentro. "Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente, é um monstro grande e pisa forte a toda pobre inocência dessa gente". Segue até o último tom, aplausos, moedas.

Próxima estação. Abrem-se as portas. Olhos e ouvidos a esquecem e Patrícia sai, caminha, tão discreta como entrou.

De onde veio? Pra onde vai? Cantando "Café e Petróleo", sua voz já havia respondido: "Não importa onde se nasce nem onde se morre e sim onde se luta". E Patrícia segue lutando.

Enquanto houver ônibus. Enquanto cantar for permitido

Friday, August 01, 2014

Poderá o homem da ilha
viver sem o mar?
viver sem amar?
Amar sem o mar?