Grito Literário

Wednesday, January 25, 2006

O escritor sentimental

As palavras são a vida de um escritor
que vive as palavras com todo amor
mas amor nem versos enchem barriga
e ele teve que abaixar a crista
seguindo o que a vida obriga
o escritor virou um jornalista


Faz com prazer mas sem encanto
sobre a mesa derrama seu pranto
não pode sofrer tamanha humilhação
impuseram-lhe uma mutilação
a falta de espaço é o pretexto
de tal ato que lhe consome o cerne
pois editar o próprio texto
é como cortar da própria carne.

Thursday, January 19, 2006

Soneto I

Neste soneto busco uma proeza
Eu tenho quatorze versos apenas
Para através dessas linhas pequenas
Descrever a tua aturdente beleza:

Olhos verdes da cor da natureza
Um rosto fino com formas amenas
Lábios grossos, palavras serenas
Corpo que junta perfeição e pureza

Mas é intocável o que é mais belo,
E faz-me querer-te tanto assim
É seu coração humilde e singelo

Que pode tornar-se um estopim
Pois sabes, topo qualquer duelo
Para tê-lo somente para mim

Sobre o dia em que a moça pediu-me prova de amor

O vento soprava silenciosamente os cabelos presos pela fita. Fitava-me com olhos singelos que seduziam com uma inocência que o riso sarcástico e desafiador revelava não existir naquela moça. E as palavras delicadas que saíram docemente no entreabrir dos lábios, flutuando entre o assobiar dos pássaros e o suave barulho das águas, não negavam o tom provocativo da fala: “Prova que me ama que eu provo do teu amor”.

E lá vou eu. O homem move-se por desafios. E nenhum desafio é maior do que um pedido de uma mulher. Lá se vai mais um homem-zumbi, vagando pelos caminhos tortuosos, obstinado em atender aos caprichos da musa.

Deitei em meu leito solitário a pensar. Flores, doces, jóias, presentes... Não! O amor jamais seria provado por algo que pode ser comprado com algo que pode ser contado. Não há como comprá-lo nem contá-lo. Além do que, ele não é igual, não pode ser igual, jamais será igual. Então, para amores únicos, provas únicas. Palavras não são únicas, mas poemas são. São poços de subjetividade. Mas... Por onde começar? Busquei inspiração em Willian, em Fernando, em Álvares. Nada.

Pensei bem. Mas o que é o amor? Como provar algo que nem sei definir? Pedi ajuda ao Pai Aurélio. O velho robusto, do alto de sua sabedoria, só soube me dizer alguns conceitos como: “Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem”. Desculpe, mas é muito pouco diante da imensidão do amar. Talvez as palavras sejam vãs demais para falar do amor, os poetas não me animaram, o léxico não me convenceu. Enfim, o sono me venceu. Adormeci, sonhei. Adivinha com quem? Acordei sorrindo. Fui ao encontro dela.

De volta ao parque, ela estava no mesmo lugar à minha espera. Ao me vir, logo deixou escapar um sorriso largo e espontâneo, depois uma gargalhada. Provocante. Naquele momento tive a certeza que me pedira tal prova apenas para rir do meu fracasso. E pra me deixar o dia todo pensando nela. Conseguiu. Aproximei-me e disse-lhe: “admito meu insucesso em provar meu amor, mas nunca, o fracasso em te amar. Seja lá o que signifique tal verbo ou tal sentimento”.E de seus lábios delicados saíram palavras que aos meus ouvidos soavam como música: “Há coisas que não se explica, não se prova. Basta sentir”. Beijou-me. E naquele momento podíamos compartilhar o tão complicado sentimento. Não pensávamos em nada, éramos dois num universo limitado, num cerco infinito, num lugar sem problemas, sem ódio, sem ganância. O amor é sentimento egoísta, como a árvore que suga toda água e nutrientes do solo. Enquanto ele está agindo não há espaço para mais nada. Mas entre um amor e outro o homem encontra tempo pra destruir o mundo e a vida.

O amor. Este sentimento intangível, que alguns julgam inatingível, que não sabemos o que é mas sabemos perfeitamente quando chega. Algo absolutamente abstrato que se concretiza com facilidade nas batidas aceleradas do coração, no arrepiar dos pêlos, no friozinho na barriga, na gagueira na hora de dizer o que havia ensaiado tantas vezes, no sorriso instantâneo ao avistá-la. Talvez o amor seja apenas uma invenção humana, uma bobagem, ou um objetivo, um sonho que queremos viver o resto de nossos dias. Uma brisa que queremos que nunca nos deixe de refrescar. Um vento, intocável, invisível, indescritível, um nada. Ah, o amor não é nada. Mas é tudo.

Versos vazios

A cada fim de semana a história se repetindo
e vou destruindo fígado e coração
álcool e solidão se fundindo ao poucos
e os gritos roucos tentando me convencer
a me entreter nesse mundo que não é meu

o corpo cresceu mas vou me perdendo
e querendo acreditar que é momento
que tempo ajuda a superar
e me tornar alguém normal e feliz
mas quis ser isso que eu sou
não vou ser o que querem ver
vou viver morrendo a cada dia

Vida fria, sem amor e sem amar
sem odiar quem me odeia
a barriga cheia e o coração vazio
por um fio a vida se desfaz
incapaz de deixar algum rastro
e me arrasto sem vontade nem esmero
querendo acreditar que acredito no que quero

Crônica do primeiro aniversário

A festa de aniversário de um ano de idade é, sem dúvidas, um dos melhores retratos da imbecilidade humana. Apesar de serem os filhos que fazem anos, parece que os pais organizam a solenidade para eles mesmos. É um momento inesquecível...para os pais, não para os filhos (ou alguém se lembra de como foi a sua?). Enquanto os marmanjos bebem cerveja e jogam conversa fora, o pimpolho não faz a menor idéia de que, desde que foi concebido, o planeta Terra já realizou uma órbita completa ao redor do sol.

Não bastasse o fato de não saber o que está acontecendo, a pobre criança (que, por sinal, é a homenageada do dia) é proibida de desfrutar do que há de melhor no recinto. Ao invés de saborear o refrigerante geladinho, os salgadinhos apetitosos e os docinhos que dão água na boca, o aniversariante tem que tomar leite ou comer a famosa “papinha” que sua mãe lhe dá. Mas o pior ainda está por vir! O nenê, morrendo de sono e incomodado por aquele desconfortável chapéuzinho de festa, é obrigado a ficar horas tirando fotos com todos os convidados, enquanto os adultos bobões regressam à infância fazendo caretas ridículas para tentar pôr um sorriso no rosto do desanimado bebê.

O atentado ao livre-arbítrio infantil, entretanto, não pára por aí. Há sempre aquele cara que dá uma camisa do Flamengo, uma bola do Corinthians, um babador do Cruzeiro ou um boné do Grêmio de presente ao menino. É uma clara tentativa de influenciar na escolha do pequerrucho antes mesmo dele saber e entender o que é futebol.

Bom, eu já tive meu primeiro aniversário e, sinceramente, não faço a menor idéia do que ocorreu no dia em que deixei de ter 364 dias para ter...1 ano (Oh! Que grande transição). Mas tenho certeza que farei belas festas quando meus filhos atingirem essa idade. Não por eles, mas por mim; afinal, eu também sou humano. E ser humano é, antes de tudo, ser egoísta e privilegiar as suas vontades pessoais em detrimento da vontade dos que têm menos poder que você.

Aliás, com o estímulo do individualismo e do consumismo pelo sistema capitalista, a tendência é queas celebrações do primeiro ano de vida sejam cada vez mais constantes e luxuosas, repletas de canapês, croissants e champagnes de primeira qualidade. Portanto, se você fizer uma para seu filho, ou melhor, para você mesmo não se esqueça de me chamar, viu?

(des) Graça

A tevê na sala
a boca se cala
e o repórter fala
notícia abala:
a grana que entala
em cueca e mala

e vai desligá-la
silêncio instala
seu pai de bengala
a esposa acasala
com homem de gala
desistiu de amá-la

já o filho, inala
cheira sem pagá-la
nessa arma tem bala
o tiro estala
a podridão exala
do corpo na vala

A madrugada mais curta do ano

Hoje não tem rock. Não tem bebidas. Não tem ninguém. Esta noite eu sou minha própria companhia enquanto Ela não chega. Será só eu e Ela, que já adentra imperceptivelmente meu lar. Sem sequer pedir licença.

Dessa vez quem baila comigo é a grande Senhora, a Majestade do silêncio e da solidão. A madrugada é pior que a morte, pois teima em ir e vir todos os dias, tenaz a me torturar nos minutos que duram horas, na areia que parece nunca cessar na ampulheta.

Mas não fujo. Não hesito. O homem não pode temer seus inimigos. Será a madrugada minha inimiga? Creio que não. Hoje o que mais quero é estar com ela. Preciso estar com ela. Minha bela amante, quero tê-la até o fim. Quero brincar no teu doce jogo de sedução.

Não há música nem vinho. Não há requinte. Só um computador, uma TV e um copo de coca-cola.

A imensidão da Internet parece esgotar-se. As informações e os jogos não preenchem minh'alma. Não há mais ninguem para conversar no MSN. Só ela está aqui. Me observa e me seduz com a certeza de que serei todo seu. Vou buscar satisfazer-me na televisão.

Os meus passos ecoam no silêncio e na no vazio da sala. E esse vazio entra em ressonância com o meu interior, que quer esquecer que ama e é amado. Quero ficar só com ela. Ó cortesã, puta safada. Minha angústia compra teu prazer. E deleito-me estranhamente.

E vou assitir a um filme. Um drama. A história de um menino que descobre o amor e a amizade durante o tenso período da revolução cubana. Enquanto os homens se matam por dinheiro, poder e liberdade, para o pequeno só importa aqueles que moram em sua vila. Seu mundo é aquele. O meu é ainda menor. A cada lágrima na tela me lembro que estou a sós com a Grande Majestade. O final do filme é triste, mas meu coração petrificado não permite que minha face umideça.

Vou à varanda. Observo os prédios ao redor. Luzes apagadas. Que bom! Parece que ninguém mais está a sofrer como eu. Um riso sarcástico faz-se em meu rosto: "Não sabem o que perdem deitados em seus travesseiros", sussuro.

Volto à TV. Do outro lado do mundo, carros de corrida disputam a supremacia da velocidade. Se para eles cada milésimo significa uma eternidade, pra mim as horas passam numa pachorra entediante. É o Grande Prêmio da China. Lá já é dia. Mas o dia nada mais é do que o prelúdio de mais uma madrugada agonizante que está por vir.

Às 5h40min o céu já está clareando. E aos poucos a natureza me cede mais um espetáculo. As cores se fundem nesse melancólido alvorecer. E vou me despedindo de minha companheira. Amada e odiada, bela e leviana, angustiante e irresistível. Um beijo de morte com um sol já raiando ao horizonte. Mas com a certeza de que ressucitará e logo estará a fazer-me companhia novamente.

E tanta tortura se deu no dia 16 de outubro. Dia em que começou o horário de verão. Uma hora pra adinatar no relógio. Foi a madrugada mais curta do ano. Pra quem dormia. Porque pra mim pareceu a mais longa, mais dolorosa e mais prazerosa.

E mais uma madrugada se vai. E mais um dia insiste em nascer sabendo que Ela voltará...

Efemeridade eterna

Antes de chegar ela está,
sua aura se avista ao longe,
no sorriso, no jeito de andar.

Enquanto ela passa agente pára,
impossível não contemplar.

E quando se vai, ela fica,
permanece seu brilho no ar.

Champagne amargo

Junte seus vizinhos dos edifícios de luxo e formem suas milícias!
Pode fuzilar quantos quiser, sempre existirão outros pra matá-lo, com armas mais poderosas que as suas, compradas com o dinheiro que seu filho gastou com drogas.

E quanto mais você explora, mais você ganha. E sugando do outro você se torna maior, e pisando nos outros você sobe pro seu mundo superior, mesquinho. Você acha que pode comprar tudo e acha que a miséria é culpa deles, os incompetentes que não sabem lucrar.

Mas nem tudo se compra. Viva seu mundinho enquanto seu império ainda não ruiu. Talvez só quando o revólver estiver armado, em punho daquele que você sempre destratou, munido de pólvora e ódio, você perceba que seu dinheiro não serve mais pra nada. E só por alguns segundos, na efemeridade entre vida e a morte, no instante entre o apertar do gatilho e o disparar da arma vocês se arrependa do que fez e deixou de fazer. Tarde demais. Sobre seu ataúde haverá mais flores que choros, mais indiferença que saudades. Seu champagne fará mais falta que sua prensença.

Wednesday, January 18, 2006

Ensaios sobre Eu II

Na verdade não sou bom nem mau, bonito nem feio. Sou estranho e normal.Depende do referencial.

Vivo tentando entender porque o mundo está assim, entender o homem, entender você, entender a mim.

E quem é o dono da verdade pra dizer o que é certo e o que é errado? É questionando e duvidando que descubro o outro lado.

Antes de agir sempre me perguntei se iria adiantar. Sei que enquanto fiquei parado nunca fiz nada mudar.

Pensar bem pra agir na hora certa. Estar sempre disposto mudar, manter a cabeça aberta.

Viver e não apenas sobreviver. Ser ao invés de simplesmente existir.

Tuesday, January 17, 2006

Ensaios sobre Eu

Sou uma obra inacabada.
Sou o sangue que corre em minhas veias, o suor que escorre em meu corpo, a lágrima que cai do meu rosto.
Sou o pensamento intangível que passa por minha mente.

Sou normalmente estranho e estranhamente normal. Sou algo entre o óbvio e o incompreeensível. Sou o que sou e também o que não sou. Sou o que quero ser, sou o que não quero ser e sou o que você acha que eu sou.

Sou alguém que você provavelmente não conhece. E se conhece dificilmente compreende. Mas sou alguém como você que, em maior ou menor intensidade, sonha, pensa, sente, vive.

Wednesday, January 04, 2006

Minha tristeza, minha luta










Não quero mais viver nessa floresta sem vida
nesse vazio minha visão vai longe
mas tudo que vejo é um nada

Cadê a vida que um dia esteve nessa terra?
O canto dos pássaros silenciou
a beleza das flores feneceu
a cultura de meu povo foi derrubada
em golpes de machado e ganância

Que papel é esse que vale mais que nossa história?
Que fumaça é essa que embaraça nossa memória?

Sei que nada sou perante esse império,
que nada entendo desse mundo de pastas e homens de terno
mas hei de lutar até a morte pelo que é do meu povo

Se meu sangue escorrer por esse rio
e um dia desaguar numa terra em que viva meu neto ou meu filho
do alto sorrirei um raio de sol
para que nos olhos de cada um se reflita a virtuosidade da natureza
e se mantenha viva a chama dessa harmonia

Monday, January 02, 2006

Poema-pílula

Use sem prescrição médica.